segunda-feira, 11 de maio de 2015

Epitáfio



A campainha tocou solitária naquele fim da tarde de céu aberto. O crepúsculo era de um degrade roxo alaranjado e as nuvens simetricamente posicionadas formavam o quadro de uma noite magnifica. Pela porta do apartamento o vaso passou lentamente sendo depositado na mesa da sala. O vermelho era rijo e brilhante à luz de teto do lustre de vidro. 

Rosas são sempre uma ótima metáfora para a vida. O amor era vermelho, intenso e jazia no reflexo da janela da sacada, onde os corpos deitavam sob o tapete bege e riam incessantemente pela madrugada. Era um dia de cores vivas, no céu, no vaso, nos corações.

Corações cheios de vontade de se viver as doces e graciosas façanhas da vida. Tantas luzes brilhando e vidas cruzadas em segundos. O toque era extremamente macio em meio àquele barulho, se fazia suave em meio a todo o caos. 

Às vezes tudo que nós temos são os amigos. Mas não seria o suficiente? Onde encontrará de novo aquele abraço? Onde viverá de novo a emoção de ouvir o som das batidas do seu coração abrasadas ao seu abraço, sob seus braços, em harmonia com a existência prematura dos nossos passos tão céleres sob esse mundo?

Naquela noite o céu era preto, e alguns tons de cinza rabiscavam abstratamente o quadro do infinito acima de todos nós. Depois da porta, o lustre estava apagado, mas a luz do corredor tornava visível as cores tão vazias de vermelho que tomavam a mesa da sala.

O 'ser especial' é uma função primordial e elementar na vida de cada um de nós. É saber escrever histórias no coração dos outros, é se doar e receber de volta um pedaço de vida, tempo e lembranças. O egoismo é falta de respeito pelo amor que tu cativas no próximo, amor ao qual tu é eternamente responsável e detentor. Por isso o 'ser' é tão mágico, imprevisível e cheio de sentimentos bons e ruins que jamais serão exprimidos ou sentidos igualitariamente por corações que percorreram histórias distintas. 

Somos pequenos pedaços de um infinito quebra cabeça, mas contraditoriamente enormes demais dentro do coração daqueles que nos amam. Qual o valor disso? Pense bem.. O inevitável da vida é o mistério assombroso do fim. 

E o sol surgia tímido no horizonte, invadindo as persianas semi abertas e colorindo o já marrom desbotado das rosas, ao mesmo tom dos corações descompassados, que respiravam apressados, compensando a falta que outro ali se fazia.

Algumas lições são duras, alguns textos não deveriam ser escritos. Mas não existe volta no tempo, e o amanhã parece tão tarde, tão incerto. O medo é absoluto, contagioso, chega a ser tangível de toque, passando pela atmosfera, pesado, mórbido e demasiadamente triste. Se fosse o último dia da sua vida você perdoaria seus inimigos? correria atrás dos seus sonhos mais insanos? A quem você diria 'eu te amo!'? 

A beleza da incerteza. Tudo que nos cerca é demasiadamente efêmero para que nos apeguemos, para que seja prioridade por tempo em excesso. As pessoas são importantes, a gente esquece, elas também são rápidas, breves, minúsculas. É uma das mais belas dádivas conseguir enxergar o mundo dessa forma, o triste é tentar, e falhar, ao ensinar almas tão ingenuas e perdidas por aqui. 

Eu não escrevo por 'likes', eu não amo por amar, eu aprendi a pedir perdão mil vezes se convêm. Por que eu sei que arrependimento é dor que cresce sem fim no peito. Seja, por favor, grato a quem te dá. Aceite essa divida de amar o próximo. Chega dessa violência gratuita, verbal, física, psicológica. As lágrimas tingem concreto de uma cor invisível que não pode ser apagada jamais, são tons de desespero em gradientes de melancolia. 

Era tão pequeno, mas detinha de toda a dor do mundo. Nos olhos, no coração. Não é mais uma questão de ser 'um alguém', e sim ser 'humano', e sentir a vibração entre mundos, que classifica a destruidora verdade que ninguém quer aceitar. Da mesma forma que naquela noite não existia Colcci ou Vuitton, eram todos pretos de tecido e alma, alinhados ao pesar e sina de se viver. Que todos temem e fogem, dia e noite. 

A chuva era um turbilhão, as nuvens eram densas, os raios eram espasmos assombrosos. Mas no centro havia silêncio, paz e um pedaço bem pequeno de lembrança do 'ser especial' que cada um se recordava. A compaixão era distribuída em anestesias de memórias para a comoção de realidades despedaçadas.

Poderia ser qualquer um. Alias, um dia vai ser eu ou você, é a única certeza de se existir. A gente aprende que reclamar é um desperdício muito grande de algo muito valioso chamado tempo. 

Via ali as enxadas vezes compassadas, e às vezes alternadas. Era uma sinfonia em dó sustenido. Procurou em tantos timbres e achou enfim a melodia da cor azul. Tinha todo o frio e vazio que poderia existir no mundo, e ninguém mais era diferente, a não ser pelos cataventos coloridos, que mesmo tão distintos ainda rodavam no mesmo compasso dos ventos de outono. 

Longe dali as folhas cinzas e sem vida despencavam em silêncio, batendo com força na mesa o som inaudível e opaco do fim, da certeza de que a vida continua. Para que todos nós, antes de deixarmos esse plano, possamos viver em vida ao menos uma dose das coisas tão mais belas. 

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