terça-feira, 30 de abril de 2013

Cidade Grande





Os desenhos pela janela iam se rearranjando e trocando suas posições rapidamente, e logo a paisagem verde com um lindo riacho azul de fundo ia sendo substituída por grandes estruturas de concreto armado, que se estendiam céu acima como escadarias para o paraíso. Aos poucos fui me impressionando com as formas e cores que se estendiam pelas ruas cheias de variedades diversas, parecia não haver fim aquele imenso volume de informações e vidas que circulavam em um só lugar. Então o ônibus parou.

Eu tinha negócios a resolver aquela tarde na cidade grande, mas algo havia me marcado em especial. Eu ajeitei a gola da minha camisa com cheiro de interior e me adentrei em meio às largas calçadas daquele centro urbano, quando vinha de encontro com um rapaz todo pomposo, encaixado perfeitamente em seu terno preto e sua gravata démodé, trazia em uma das mãos um jornal meio amassado e na outra uma xícara de café, que equilibrava junto aos passos longos e rápidos. Por certo instante desviou o olhar na minha direção, eu passei ao seu lado com um sorriso no rosto e lhe dei um ‘bom dia’, me lembro de ser ignorado como se não estivesse ali, o jovem passou e nem se quer percebeu minha presença, assim como outros vários que passavam pela aquela mesma infinita avenida de formigas trabalhadoras e esbarravam no meu ombro, mas não acordavam da sua transe psíquica.

Na minha terra todos se conheciam, cidade pequena de interior é tudo uma família só, as pessoas são educadas e se cumprimentam. Eu cheguei ao meio daquele bolo de gente e precisa perder certos costumes, mas estava pelejando a deixar alguns deles, como esse em específico. Lembro-me inclusive de acenar para a garçonete que entregou meu café com leite na lanchonete, em sinal de agradecimento, mas ela virou as costas antes que meu sorriso pudesse se formar em meu rosto. Era frustrante, mas eu iria pegar o jeito.

A tarde caia juntamente com a temperatura, e as ruas pareciam morrer junto com o por do sol, a velocidade diminuía e eu podia sentir certa semelhança com o rebanho da minha fazenda. Eu tropiquei numa calçada e me espatifei em cima de uma senhora que por alguns centímetros de equilíbrio não vai ao chão, eu levantei a cabeça para me desculpar e ela já estava caminhando longe dali, com um passo meio torto e penso para um dos lados, parecia um pinguim de saltos. Eu olhei no relógio e me coloquei a andar em direção a rodoviária, onde a jornada havia começado há pouco, mas com um sol bem mais vivido.

Ainda havia um tempo me sobrando, e eu não poderia usá-lo de outra forma a qual não fosse ir ao banheiro, além do mais estava apertadíssimo e minha bexiga clamava uma folga. Eu corri até o banheiro, passei por uma catraca que eu não fazia ideia pra que servia, e me deparei com aquela fila de vasos separados por pequenas paredes que iam se estendendo por toda a dimensão do recinto, para a minha tristeza todas ocupadas. Eu fiquei ali andando como quem não quer nada, esperando um lugar vagar, e foi ai que uma das portas se abriu, eu me virei para visualizar qual era e corri até lá. Eu já conseguia visualizar o interior daquela cabine antes de entrar nela, mas fui surpreendido com um “boa tarde” pelo sujeito que saia da mesma. Eu entrei cego ali dentro e me esvaziei em alguns segundos, só então eu pude pensar. Alguém havia me cumprimentado, e eu simplesmente o ignorei, ‘ironia do destino’ é um belo bordão para a situação vigente, mas eu fiquei mais preso ao significado daquilo tudo.

As pessoas andam tão preocupadas com suas vidas que mal podem perceber o seu entorno, essa era a realidade da cidade grande, e eu como um estranho estava vivenciando um pouco dessa realidade. Na minha cabeça de caipira não havia como agir de tal forma, era uma educação que estava vinculada ao caráter, mas na correria de buscar saciar a minha vontade eu me rendi a minha própria lástima, e aquele homem que me abordou talvez nem pertencesse àquela cidade, mas engraçado afinal, eu estava prestes a me tornar um deles.

domingo, 21 de abril de 2013

Um domingo de Estórias.




Tremulo e sem jeito, balbuciava algumas palavras incompreensíveis pela boca, bem baixinho, quase que calado, parado, estático. Olhava o horizonte e via o brilho singular do sol por aquele ângulo específico, tinha a ponta dos dedos fria e estava tão perdido em pensamentos que mal piscava. Estava maravilhado e aprisionado nela.

Os cabelos levemente ondulados desciam por suas costas como uma cascata de fogo vermelha, que brilhava e emitia calor quanto mais fosse à incidência do sol sobre eles. Ela virou quase que em câmera lenta, ele fitou seus olhos castanhos perdidos por entre a maquiagem e ficou hipnotizado pela sua pele branca e sua fisionomia angelical. A boca se abriu involuntariamente, ele nem pode disfarçar, seus trejeitos eram encantadores e seu sorriso era como uma rajada de sonhos que o atingia tão forte que ele podia se sentir caindo para trás.

Ele pegou a sua mão, a levou para bem longe dali, estendeu um pano sobre a grama verde, debaixo de uma árvore e se sentou. Ele fitou-a nos olhos e sorriu em ver seu rosto rosado reluzindo ao sol, levou uma das mãos na sua bochecha e passeou pelos seus cabelos estacionando na sua nuca, puxou-a gentilmente e ternamente na sua direção e a beijou.

Eles perderam um dia todo sorrindo por entre os mares de morro que se estendiam ao infinito do horizonte azul. Seguravam as mãos e se olhavam como se uma palavra não precisasse ser dita, trocaram presentes e ele lhe entregou uma rosa que havia roubado do campo. Ela sorriu timidamente e ele a abraçou como se fosse uma última vez.

Eles assistiam ao filme juntos e ela se debruçava ao seu peito perdida em sono, e enquanto dormiam ele a abraçava e lhe dava um beijo de boa noite arrumando seu cabelo em cima dos travesseiros. Ela tinha as mãos leves, doces, e ele se iluminava com a graça do seu andar e o eco da sua voz nos seus ouvidos.

Ele estava apaixonado de tamanha dimensão que chegava a ser hipócrita para si mesmo em sentimentos de razão. Apoiava sua mão sob sua cintura e a puxava para seu lado, a beija e dizia que a amava, ela retribuía vezes com palavras, vezes com sorrisos e ele podia sentir através do seu olhar um sentimento que só seria possível se enxergar depois de toda uma história de amor.

O ônibus passou por uma falha no asfalto e ao pular ele saiu do seu transe, percebeu que todas as pessoas ali estavam voltando para suas casas cansadas, perdidas em deveres e problemas, e a ruiva ainda estava lá, do outro lado do ônibus, ela chegou a sorrir pra ele, ou talvez fosse mera impressão, mas ela desceu no ponto seguinte e ele suspirou excluindo e reciclando cada um dos seus pensamentos, arrependido e inconformado de não ter ido até lá e dito com toda a autoridade e ousadia do mundo - Boa tarde!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Busca



E ele corre, corre sem parar, suspirando e molhado de suor, seu corpo começa a cansar, mas ele não para, corre, corre e corre, em linha reta, sem olhar para os lados, como um cavalo em uma carroça, sem saber o porquê, apenas corre. Quando as pernas falham ele escorrega e sente o chão batendo nas suas coxas como uma pancada feroz. Ele fica estendido ali, pensando em fechar os olhos e descansar sua jornada, recuperar as energias perdidas, mas ele não pode, ele levanta.

A noite é escura feito breu e ele só enxerga o caminho do meio fio enfileirado por aquela trilha de postes a sua frente. Não há ninguém ali, ninguém exceto ele, desorientado, buscando a saída, fugindo do seu destino que o persegue com sede de sangue nos olhos. Ele tenta pedir ajuda, mas nada. Tenta achar alguém, nada. Busca um lugar conhecido, e nada. Só escuridão. Ele cai em uma esquina e sente seu corpo doer, seu coração acelera mais uma vez e parece que vai ser expelido do peito. Ele aperta o peito com força, com uma sensação horrível, e de repente tudo é frio. A neve desce em câmera lenta do céu e ele está ali em pé novamente, só que agora pelado. O frio vai consumindo a sua temperatura vital e aos poucos as pontas de seus dedos começam a ficar roxas. Ele se encolhe todo e tenta se aquecer, mas nada funciona.

Tudo volta a ser silêncio e um relógio tic-taqueia no fundo da sua mente, ele olha para os lados e se depara com um relógio antigo pendurado no alto de um prédio que simplesmente parece ter brotado ali. O relógio volta, em contagem regressiva, e uma amarga sensação atravessa seu peito, ele sente o cheiro de pólvora e começa a buscar um abrigo. Ele é surpreendido por centenas de calibres apontados na sua direção, de todos os lados, ele não pode ver as faces, mas as armas reluzem à luz da lua, e em uma só badalada todas elas disparam atravessando o corpo frágil e gelado dele. Ele sente cada gota de sangue saindo do seu corpo e rolando pelo asfalto branco, formando um quadro abstrato de vermelho até a boca de lobo mais próxima.

Ele se levanta automaticamente e confere os tiros, não estão mais ali e ele volta a correr pela rua escura, até cair novamente e repetir toda a mesma história pela centésima vez. A dor é tão grande que ele simplesmente deseja morrer. E nesse momento em que ele entrega seu último suspiro ele acorda encharcado na cama, olha pra janela e vê uma noite agradável pelo vitro. Ele põe a mão na cabeça e percebe que está ensopado, então olha para o lado, e ela está ali, deitada, dormindo como um anjo, como se nada tivesse acontecido.

Ele sente como se tivesse feito um estardalhaço ao sair daquele pesadelo infernal, ele leva sua mão esquerda até os cabelos sedosos dela e acaricia sua cabeça, ela dá um sorriso ainda com os olhos fechados e abraça mais forte o travesseiro, com a outra mão ele confere o coração, e ele bate alucinantemente. Foi um baita susto, mas ele olhou o relógio e logo precisaria acordá-la com um beijo para começarem mais um dia, mas ele deitou ali e foi tirar mais um cochilo. Já era esperado, é justamente quando estamos mais felizes que os pesadelos aparecem. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A Luta




Fugir não adianta em nada. É só uma tentativa de se afastar dos problemas, mas eles permanecem, pois a vitória só chega pra quem enfrenta, e esse é o mal de quando ela está sobrecarregada, fugir lhe parece mais fácil, fechar os olhos, ir pra outro lugar, onde tudo pareça melhor.

A chuva descia pela janela embaçada e o rádio ligado abafava o som das gotas se espatifando no piso da garagem. Ela buscava se esconder do que quer que fosse que estivesse ali fora, se afundava no sofá e elevava sua mente para bem longe desse mundo, onde talvez, aqueles pesadelos não a tomassem de ódio e medo.

A noite era fria e ali sozinha debaixo do edredom ela soluçava um misto de dor com cansaço, e repudiava aqueles pensamentos que não a deixavam em paz. A noite era difícil, quantas mais passariam em claro? O problema era a certeza de que tinha que esquecer aquilo tudo. O peso era grande demais e nem aquele sol logo de manhã poderia absorver aquela mente confusa.

A partir do momento em que ela abriu o vidro do ônibus e sentiu uma leve brisa passando pelos seus cabelos foi que ela decidiu, decidiu que queria ser leve como o ar que dançava pelo relevo suave da planície de gramíneas que se estendia por todo o vale. Então ela foi ao combate, foi enfrentar, lutar, e garantir as respostas e soluções dos seus ínfimos problemas.

Não foi fácil, não costuma ser fácil, a vida é um obstáculo para todo mundo, mas há de passar, para tudo existe solução, e como sempre, independente de tudo, ela voltava mais leve aquela noite, podia ouvir a chuva com compaixão ao lado de fora, e sabia que sua vitória se estendia por ai, ligando não só a sua vida, mas muitas outras. Então deitou na sua cama, a noite era silenciosa.

Conseguiu dormir.