quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Bruna



Antônio nasceu no sertão de Piritiba aonde a água não chegava
Vivia e se afogava no sol e na comida que faltava
Pelo trabalho com a enxada, forçado foi a trocar tudo o que sonhava.
De Jenipapo a macaxeira, cajá, e três pés de guataíba desfrutava.
Tinha um fiel amigo, Tomás, que por nada não o abandonava.
Antônio não folgava sua angústia de natureza escrava,
E da vida não esperava, cabisbaixo apenas caminhava.
Pai e mãe eram um eterno fardo que o abalava
E quando criou coragem, percebeu que na estrada já estava.
Abandou tudo que tinha por aquilo que acreditava
Julgou que nada que tinha até então amava
Foi até a cidade grande, um sonho ele buscava.

Chegou cansado, mas impressionado e com um sorriso pueril.
Não demorou muito para desvendar um ambiente inteiramente hostil
Logo não havia mais significado palavras como bondade.
E na selva de pedra traçou seu futuro com muita dificuldade.
Em centelhas de prosperidade chegou àquela carta de má caligrafia.
Sua mãe há alguns anos esquecida, falecia e se despedia.
Antônio era orgulhoso e se recusou a olhar para trás
Havia tomado à decisão e nem sua família lhe interessava mais.
Lutou com aquilo por um ou dois anos até seu pai partir
Algo dentro dele se perdia, mas ele não iria se permitir.
Tomás assistia ao amigo e sempre dizia “pobre rapaz esse Antônio”
E não demorou muito até resgatar na memória toda sua adolescência
Em poucos dias entrou em completa e irreversível abstinência

O que merece alguém que não está presente no enterro dos próprios pais?
Culpava-se e sentia que poderia ter sido alguém melhor e feito muito mais
Trancou-se dentro de si mesmo e perdeu a saúde e o brilho e muito mais além
Tinha pesadelos a noite do dia em que morreria e em seu funeral não haveria ninguém.
Parecia que a vida não fazia mais sentido, nem se tivesse uma imensa fortuna.
E foi então, que depois de muitas lágrimas de desespero conheceu Bruna.

A prepotência dentro dele foi paulatinamente apagada
E de repente o amor em Antônio fez morada.
A moça de sorriso jovial desfilava como sua namorada
E até quem o via na rua sabia que havia encontrado ela
Era um amor de abrir sorrisos, horizontes, portas e janelas.
Falando em portas, ela vestia um lindo vestido de casamento.
Lagrimas apareceram nos olhos de Tomás naquele momento.
E falando em janelas, alugaram um apartamento com uma bela vista.
Eram pobres, mas eram felizes, não havia mais desejos em sua lista.
E falando em horizonte, alguns anos passaram como de casual.
E entrava a moça pela porta com a notícia de um câncer terminal.

Falando em sorrisos, eles foram perdendo nos rostos comprimento.
E do impossível Antônio faria por mais algum ínfimo tempo.
E de verdade, nada descreve a dor da partida e todo esse sofrimento.
Quando Bruna se foi o lamento, o último depoimento e o seguimento.
O seguimento de algo que parecia não haver fundamento.
Tomás dizia “pobre rapaz esse Antônio, perdeu tudo que tinha.”
É assim que a vida se perdeu de novo, e assim que ela caminha.
Algo se fechou naquele coração e mesmo assim continuou a jornada.
Antônio faleceu muitos anos depois na sua humilde e precária casa.
Era madrugada, os galos cantavam e uma vida não existia mais ali.
Tomás dizia “pobre rapaz esse Antônio, viveu dores incalculáveis por aqui.”
Mas estava errado, o sorriso desfilava no rosto de Antônio em seu funeral.
Morrera sorrindo e incrivelmente feliz por saber que havia vivenciado
Testemunhado e acreditado em uma história pura de amor.
Foi predestinado, e fazia dele um indivíduo melhor, um alguém.
Um alguém que mesmo com seus erros não era uma má pessoa ou um vagabundo.
E a prova disso se levantava ao fundo do salão e o cruzava naquele segundo.
O jovem debruçou-se no caixão e com um sorriso em lágrimas disse.

“Foi o melhor pai do mundo”

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A Ruiva



"Soulstripper - A Ruiva"

( http://www.youtube.com/watch?v=MUifGCXuLNY )


            Camiseta polo vermelha, calça jeans rasgada, um Adidas branco no pé e uma barba por fazer. Entrou pela porta do bar naquela sexta feira a noite como uma rotina banal que esperava seguir religiosamente até o último dia da sua vida. Pediu uma Heineken bem gelada e ficou ali apreciando o ambiente. O Mcgee’s era um bem pacato e minúsculo PUB no centro da cidade, estava parcialmente cheio, meia luz, Led Zeppelin IV ao fundo e cheiro de Philly Cheesesteak no ar. Nessa varredura visual corriqueira ele esbarrou o olhar em uma garota que se sentava sozinha em uma das mesas do bar. “De novo você?” pensou suspirando.
            Na mesa uma linda mulher, com os olhos verdes cheios de mistério, cabelos longos cor de fogo, intensificados pela iluminação do bar, e um vestido básico, preto, cheio de sensualidade encaixado perfeitamente no corpo daquela desconhecida. Ela era realmente bonita e ele já a havia visto uma dezena de vezes naquele mesmo lugar. Era sempre igual, a beleza intimida as pessoas, mas hoje seria diferente, era uma confiança misteriosa agindo dentro do rapaz, ou simplesmente a conformidade de que não tinha mais nada a perder na sua vida social fracassada. Levantou o copo como quem faz um brinde. A moça viu o gesto, ficou observando, e só quando ele abriu um sorriso amigável ela sorriu e levantou também seu copo, fazendo com que ele se aproximasse, enfim.
            A conversa foi rolando de uma naturalidade não muito comum ao que ele estava acostumado, assim a noite caiu em instantes e ele se despediu da ruiva. Por um momento encarou seu decote tão involuntariamente que quase foi embora correndo com medo dela ter notado, o que ele não sabia é que ela havia realmente notado e havia dado risada da situação, achou uma graça a timidez do rapaz. E aquelas conversas se repetiram algumas vezes, quando nessa última semana do mês de setembro ele se despediu mais uma vez da linda mulher e notou no caminho de volta que havia perdido as chaves de casa. Voltou para o bar.
            Quando entrou pela porta a ruiva ainda estava lá, só que não mais sozinha. Um homem sentava onde antes ele havia se acomodado, e ambos riam de forma muito intima, ou ao menos era o que ele enxergava da situação. Sem alardes achou sua chave e foi embora sem se incomodar com a circunstância. Dormiu pensativo, estava prestes a perder não só a garota, mas a oportunidade de provar para si mesmo que toda aquela timidez era deveras um fardo a ser deixado para trás. Acordou determinado.
            Sentado ali ele ria de tudo e contava histórias que entretinham muito a moça dos cabelos vermelhos, ele sabia que naquela noite deveria tomar uma atitude, um convite, um beijo, uma proposta qualquer, uma aventura. Estava irredutível a esses pensamentos até que, por um instante, desviou o olhar do sorriso magnifico que tinha aquela mulher (era hipnotizante de uma forma assustadora) e viu na mesa detrás um cara tomando um café. Ele travou instantaneamente, era o cara do dia anterior, estava tão perto da sua mesa que era capaz de estar ouvindo cada palavra da conversa, ficou sem saber como agir, de repente toda a timidez voltou. Não conseguiu se concentrar e foi embora mais uma vez, só que dessa vez ficou observando do lado de fora do bar e registrou o momento em que o homem então se levantou e foi se sentar com a ruiva. Sentiu-se traído, se sentiu um tolo por um instante. Uma raiva momentânea se apossou dele e passou logo em seguida. “Quantas vezes será que aquilo já havia se repetido?” refletia ele aflito. Foi para casa mais uma vez, precisava pensar.
            Não demorou muito para o simples fato da ameaça de perder a garota para outro cara começasse a paulatinamente esmurrar fatos e verdades na cara do rapaz. Estava disposto, mais uma vez, a ganhar aquele jogo perigoso de sedução. Arrumou-se impecavelmente aquele sábado à noite, passou quase uma hora em frente ao espelho ajeitando seu cabelo, sabia que ela estaria lá, ela sempre estava, ele implorava que ela estivesse lá por essa última vez.
            Entrou no bar, e pra surpresa dele ela estava lá, linda como sempre, sentada na mesma mesa, com o mesmo copo de cerveja na mão, o sorriso intacto reluzia um brilho único e encantador que infelizmente lhe dava náuseas naquela noite em específico, pois o cara do seu pesadelo também estava lá, só que agora já sentado à mesa com a ruiva. Ele ficou ali imóvel, encostado no balcão, aguardando algum sinal, buscando uma saída praquele pesadelo. O cara olhou da mesa e deu um sorriso sarcástico, o bastardo sabia que estava sendo um completo filho da puta, e continuou ali conversando com a ruiva, até que se levantou, pegou a garota pela mão e a levou embora. O rapaz continuou encostado no balcão sem reação, não podia fazer nada, sabia que a culpa era dele, havia estragado tudo de novo, pediu outra cerveja.
            Eu particularmente senti um pouco de dó sim, mas não sei bem dizer, talvez seja esse negócio meu de ser seduzido por desafios, quando é mais difícil parece tão mais gostoso, ou talvez eu só seja mais um filho da puta no mundo. De qualquer forma essa ruiva é até mais maravilhosa agora deitada na minha cama, sem roupa, envolvida no meu lençol, perdida em algum sonho longe da minha realidade. Ah como o tempo voa.
            “O que você tá fazendo ai no computador?”
            “Um novo texto sobre a vida, nada de mais.”
Ela sorriu encantadoramente e o cheiro de café já está tomando conta da casa.
Bom, me desculpe, mas tenho que voltar para cama, é domingo.

Com licença.

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