Antônio nasceu no sertão de Piritiba aonde
a água não chegava
Vivia e se afogava no sol e na comida
que faltava
Pelo trabalho com a enxada, forçado foi
a trocar tudo o que sonhava.
De Jenipapo a macaxeira, cajá, e três
pés de guataíba desfrutava.
Tinha um fiel amigo, Tomás, que por nada
não o abandonava.
Antônio não folgava sua angústia de natureza
escrava,
E da vida não esperava, cabisbaixo apenas
caminhava.
Pai e mãe eram um eterno fardo que o
abalava
E quando criou coragem, percebeu que na
estrada já estava.
Abandou tudo que tinha por aquilo que
acreditava
Julgou que nada que tinha até então
amava
Foi até a cidade grande, um sonho ele
buscava.
Chegou cansado, mas impressionado e com
um sorriso pueril.
Não demorou muito para desvendar um
ambiente inteiramente hostil
Logo não havia mais significado palavras
como bondade.
E na selva de pedra traçou seu futuro
com muita dificuldade.
Em centelhas de prosperidade chegou
àquela carta de má caligrafia.
Sua mãe há alguns anos esquecida,
falecia e se despedia.
Antônio era orgulhoso e se recusou a
olhar para trás
Havia tomado à decisão e nem sua família
lhe interessava mais.
Lutou com aquilo por um ou dois anos até
seu pai partir
Algo dentro dele se perdia, mas ele não
iria se permitir.
Tomás assistia ao amigo e sempre dizia
“pobre rapaz esse Antônio”
E não demorou muito até resgatar na
memória toda sua adolescência
Em poucos dias entrou em completa e
irreversível abstinência
O que merece alguém que não está
presente no enterro dos próprios pais?
Culpava-se e sentia que poderia ter sido
alguém melhor e feito muito mais
Trancou-se dentro de si mesmo e perdeu a
saúde e o brilho e muito mais além
Tinha pesadelos a noite do dia em que
morreria e em seu funeral não haveria ninguém.
Parecia que a vida não fazia mais
sentido, nem se tivesse uma imensa fortuna.
E foi então, que depois de muitas
lágrimas de desespero conheceu Bruna.
A prepotência dentro dele foi paulatinamente
apagada
E de repente o amor em Antônio fez
morada.
A moça de sorriso jovial desfilava como
sua namorada
E até quem o via na rua sabia que havia
encontrado ela
Era um amor de abrir sorrisos, horizontes,
portas e janelas.
Falando em portas, ela vestia um lindo
vestido de casamento.
Lagrimas apareceram nos olhos de Tomás naquele
momento.
E falando em janelas, alugaram um apartamento
com uma bela vista.
Eram pobres, mas eram felizes, não havia
mais desejos em sua lista.
E falando em horizonte, alguns anos
passaram como de casual.
E entrava a moça pela porta com a notícia
de um câncer terminal.
Falando em sorrisos, eles foram perdendo
nos rostos comprimento.
E do impossível Antônio faria por mais
algum ínfimo tempo.
E de verdade, nada descreve a dor da
partida e todo esse sofrimento.
Quando Bruna se foi o lamento, o último
depoimento e o seguimento.
O seguimento de algo que parecia não
haver fundamento.
Tomás dizia “pobre rapaz esse Antônio,
perdeu tudo que tinha.”
É assim que a vida se perdeu de novo, e
assim que ela caminha.
Algo se fechou naquele coração e mesmo
assim continuou a jornada.
Antônio faleceu muitos anos depois na
sua humilde e precária casa.
Era madrugada, os galos cantavam e uma
vida não existia mais ali.
Tomás dizia “pobre rapaz esse Antônio,
viveu dores incalculáveis por aqui.”
Mas estava errado, o sorriso desfilava
no rosto de Antônio em seu funeral.
Morrera sorrindo e incrivelmente feliz
por saber que havia vivenciado
Testemunhado e acreditado em uma
história pura de amor.
Foi predestinado, e fazia dele um
indivíduo melhor, um alguém.
Um alguém que mesmo com seus erros não
era uma má pessoa ou um vagabundo.
E a prova disso se levantava ao fundo do
salão e o cruzava naquele segundo.
O jovem debruçou-se no caixão e com um
sorriso em lágrimas disse.
“Foi o melhor pai do mundo”