sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Eu espero




Eu procuro algum motivo pra sorrir
Além da dor que me assombra
Além da nuvem que me envolve
E os meus olhos seguem em paz
Aquela falha no horizonte

Eu procuro respostas de mentira
Pra minha vida de promessas
Promessas mal compridas
Em algum lugar alguém espera
Alguma coisa de mim

E a vida passa
E os sonhos morrem
Espero que ainda
O tempo possa me arrastar
Espero que um dia
Eu possa me acreditar. 

Meu Lugar




Eu nasci de um pedaço de ódio
Não sei se esse é o meu lugar
Quando cheguei em casa era tarde demais
Não pude ver, mas sabia que tudo era...

Eu nasci precisando de atenção
Não sei se esse é o meu lugar
E tudo que eu consegui construir, eu sei, foi um pedaço de mim
Que eu perdi há muito tempo em algumas vidas atrás

Eu nasci querendo mudar o mundo
Não sei se esse é o meu lugar
E quando a poeira baixou então eu pude ver
Um mundo cheio de dor com certeza eu não sou daqui

Eu nasci buscando um sentido
E agora não sei se vou ficar por aqui.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Hope Faith Sub Cave




Atrás do monte de terra se estendia a imensidão da nossa estrela radiante. Os mares de morros banhavam caudalosamente a topografia da região, e entre um pico e outro, já era possível vislumbrar um pequeno exemplo do nascer do sol. Os raios chegavam efervescentes atingindo todos os cantos e extinguindo a escuridão, tudo se iluminava, e o céu azul fazia parte da poesia daquele dia maravilhoso.
Como uma anomalia do relevo, uma pequena estradinha circulava as montanhas, vinculando os espaços e progredindo em meio ao mar de terra que se estendia infinito a fora. Algumas plantas e flores margeavam discretamente a estrada, e de muitos em muitos metros podia se encontrar alguma placa enferrujada simbolizando alguma direção ou distância.
“Cuidado, local perigoso à esquerda, apenas pessoas capacitadas” era o que estava escrito naquela placa branca desbotada no meio da estrada. A bifurcação se fazia e a mata já tomava conta do caminho da esquerda, onde não era comum a movimentação. Quando o Jipe azul marinho passou cortando o mato, fez-se então novamente o trilhar que guiava à caverna subterrânea que ali se escondia das pessoas.
***
Algumas horas antes, naquele mesmo dia, cinco jovens se encontravam pra uma viagem de fim de semana. O sol nem havia nascido e eles depositavam as bagagens dentro do Jipe, tudo estava certo pra mais uma aventura de verão, menos o Miguel, que estava atrasado em chegar ao local combinado.
Dentre os aventureiros, tínhamos duas garotas e três rapazes, todos eles já amigos de longa data devido à escola que desde sempre era comum a todos. Hoje já formados alguns, outros na faculdade e outros nem isso, eles se preparavam pra já catalogada viagem de verão.
Fabricio era o mais comunicativo, o mais alto também, esbanjava suas pernas magrelas esticadas e sua formação invejável de direito na melhor faculdade do país, era um cara engraçado e tinha tendências a assumir lideranças, como dono no Jipe já estava a alguns anos levando os amigos para viajar.
Catarine era a mais velha do grupo, mas nem por isso a mais inteligente, tinha seu diploma de enfermagem e estava contente com isso, a vida lhe sorria sempre, alguns diziam pelo seu exclusivo sorriso encantador, outros já preferiam atribuir às suas curvas de parar avenidas. Ela era uma garota quieta, gostava de sair com os amigos e sempre os cativava com sua inocência.
João era o jovem rebelde do grupo, ia vivendo a vida aonde ela o fosse levando, e assim tivera suas dúzias de empregos anuais, aguardando aquele em que fosse aceita-lo naturalmente. Ele era um rapaz divertido, mas não tinha muita visão das coisas, sempre com seu violão nas costas destilava as ondas sonoras no ambiente com seus acordes doces e tristes, que contraditoriamente deixava o ambiente feliz e harmonioso.
A Jéssica era a moça determinada do grupo, aquele tipo de pessoa que não larga dos sonhos e dos desejos até conseguir, aquela pessoa que cria determinações e diretrizes a serem seguidas dentro das possibilidades do ambiente em questão. Superdivertida e animada, tinha um coração maravilho e namorava o Miguel, que por sinal ainda não havia chegado. Ela estava pra se formar em medicina e era um orgulho pra quem a conhecia, não se abalava e estava sempre pronta pra qualquer desafio.
E não menos importante, Miguel, que acabava de chegar com sua mochila a colocando no Jipe e se desculpando pelo atraso, ele mal chegou e eles partiram estrada a fora em direção ao desconhecido. Miguel limpou seus óculos e os colocou de volta no rosto, era um estudante de engenharia bem empenhado em se satisfazer profissionalmente no futuro, um tipo de nerd, um cara sensato e inteligente, que as vezes não era entendido, mas fazia parte integral do grupo, sempre levando ideias e atualizações para as aventuras de verão.
***
As risadas meio sonolentas começavam a contaminar o mar de montanhas, e aos poucos as câmeras começaram a disparar contra a paisagem linda que o sol banhava lentamente como se fosse programado. O Jipe fez uma leve curva a esquerda, e os jovens aventureiros se entreolharam como o inicio de mais uma grande e divertida aventura entre irmãos.
***
O jipe atropelou por mais alguns metros as ervas daninhas que tomaram conta daquela estradinha, e então parou. Eles fizeram silêncio e puderam ouvir, além do descansar do motor, alguns passarinhos e insetos do ambiente, Jéssica já agarrou Miguel e ficou atenta a qualquer inseto asqueroso próximo dos seus pés. Eles caminharam alguns passos e todos pararam em frente ao paredão de rochas que cobria todo o horizonte a suas frentes. Leram sincronizadamente, todos em pensamento, a placa que dizia “Hope Faith Sub Cave’’, ou melhor dizendo, “caverna subterrânea de esperamos fé’’.
Todos se entreolharam, surgiu um sorriso sarcástico no rosto dos garotos e um de medo no das garotas, eles começaram a descarregar algumas coisas que levariam e colocar dentro das mochilas. Fabricio fazia isso com um sorriso esplendido no rosto, como um nobre aventureiro prestes a entrar no castelo do dragão. Enfim, todos tinham suas mochilas em mãos, as lanternas estavam posicionadas e eles novamente em silêncio se entreolharam novamente, e logo o silêncio foi interrompido:
- Não é por nada, mas acho que a gente não devia mesmo entrar ai – disse Miguel em um tom de desconfiança.
- Para de ser mulherzinha Brow – João deu um tapinha nas costas de Miguel e deu uma gargalhada bem alta.
As garotas fizeram cara de que concordavam com Miguel, e todos ficaram no meio fio da entrada da caverna, onde o sol se dividia em claro e escuridão. Fabrício então abriu a boca pra dizer algumas palavras bonitas, e de fato, tranquilizou todos ali, ressaltando que não era nada demais, ninguém se arriscaria ali, não fariam nada além do controlado, voltariam logo, era apenas uma aventura por diversão. E como todos estavam sedentos de mistério e aventura, foi como o gatilho para desencadear a adrenalina que tomava aqueles jovens de uma façanha daquelas. Então meio desconfiados, enfim, todos eles entraram pela estreita abertura na parede de rochas.
***
Logo ao entrar na caverna se estendia um corredor sinuoso por alguns metros, ele parecia se estreitar a cada passo, até que todos tiveram que ficar enfileirados um atrás do outro. Fabrício carregava uma lanterna acesa liderando o grupo, e depois de alguns passos o pequeno corredor se dissipou. Uma grande sala havia sido revelada, ela tinha um aspecto oval, era bem espaçosa e as paredes de pedra subiam em forma de cúpula até chegarem ao topo, aonde havia um grande buraco, por onde a luz do sol entrava violentamente clareando boa parte daquele enorme hall. As paredes e o teto estavam forrados de estalagmites e pedras que pareciam brotar e nascer das paredes, era um lugar lindo, mas ao mesmo tempo aterrorizante.
“Maneiro” João dizia ao andar com a cabeça inclinada revelando sua admiração à beleza da caverna. Em alguns cantos específicos daquele grande salão havia algumas pedras que pareciam ter sido esculpidas pelo homem, era como se fossem pequenas salas de estar, com algumas cadeiras e mesinhas feitas de pedra. Miguel sugeriu que os exploradores deveriam ter as feito com o intuito de ter um lugar para comer e descansar sem precisas regredir até o exterior.
- Hey rapazes, vejam só isso daqui ! – ecoou a voz de Catarine do outro lado do hall.
- Parece mais um corredor. – disse Jéssica no descaso.
Os garotos iluminaram o corredor e não enxergavam seu fim, estava completamente envolvido pela escuridão. João já tomou a frente e queria explorar mais a fundo, Fabrício que há certo tempo estava interessado em Catarine ficou encabulado de demonstrar medo, e logo se juntou a João entrando corredor adentro.
- Esperem! Onde vocês pensam que vão, pode ser perigoso, não dá pra ver um palmo na frente do nariz! – Dizia Miguel, que não era um rapaz covarde, mas esbanjava de muita sensatez pra qualquer coisa.
As duas garotas não queriam entrar ali, e por fim Fabrício e João seguiram sozinhos pelo corredor escuro e misterioso, logo os que ficaram viram gradualmente os dois sumirem em meio à escuridão. Miguel sentou em uma das pedras do hall e convidou as garotas para se juntarem a ele. Eles ficaram jogando conversa fora e relembraram da última viagem à praia, e isso rendeu algumas boas risadas que ecoavam pelo grande salão oval da caverna.
Uma pedra havia sido iluminada naquele grande salão, de repente eles notaram que o sol havia mudado de posição e seu feixe agora estava voltado para outro canto. Instintivamente todos os três ali olharam para o relógio:
- Pouts! Já fazem trinta minutos, será que aconteceu alguma coisa? – Esbanjava preocupação nos olhos de Catarine.
Jéssica apertou forte a mão de Miguel e ele esboçou alguma reação de resposta, e quando abriu a boca pra dizer algo, antes que pudesse pronunciar a primeira palavra todos ouviram alto e claro:
- Socorro! Socorro! Me ajudem!
A expressão no rosto deles mudou na hora, parecia a voz do João, e apesar de tudo eles correram em direção ao corredor escuro, Miguel pegou a lanterna e rápido, porem cautelosamente, eles seguiam juntos em direção a voz. As garotas suavam frio, e Miguel estava apavorado, não sabia se ficava feliz ou aterrorizado pela voz de pedido de ajuda de João não ter sessado por sequer um segundo.
De repente eles chegaram a uma sala grande, exatamente como estavam anteriormente, todos estacaram na entrada do local, o sol entrava pelo buraco no teto e iluminava parcialmente o hall.
- Voltamos pro mesmo lugar? Como isso é possível? – Jéssica indagava assustada.
- Não, estamos em outra sala, a gente continuou seguindo em direção Sul, as pedras estão diferentes -  Miguel explicou pra namorada e pra Catarine que estava pálida.
Catarine apontou para uma grande pedra que havia no canto leste da sala, todos olharam e os olhos se encheram de pavor. João estava deitado por debaixo da pedra com o corpo forrado de um vermelho escuro, ele gritava e fazia careta de dor, o sangue fazia uma pequena poça próxima à pedra.
Eles correram até ele aterrorizados, e quando estavam há poucos passos ouviram um rugido enfurecido. Eles estacaram na hora no lugar e um vulto preto surgiu das sombras agarrando todos ao mesmo tempo.
Um clarão pairou no meio da sala. ‘um flash?’ pensou Miguel. Era um Flash da máquina fotográfica que estava na mão de João, que registrava o susto que os amigos tomaram enquanto Fabrício os assustava com alguns galhos da caverna. Os dois haviam encontrado um resto de Ketchup em uma vasilha usada e bolaram uma brincadeira com os demais.
Ao sacarem tudo Jéssica se agachou com a mão no peito, aliviada e esperando seus batimentos se acalmarem. Catarine continuava pálida, ainda perdida com um delay do susto que havia tomado. Miguel se enfureceu e começou a soltar palavras fortes aos amigos, no final todos se acalmaram e deram, enfim, muita risada da foto que havia sido registrada ali.
- Acho que devemos ir, o sol não vai tardar a se por! – Exclamou Catarine.
- Encontramos outro corredor, acho que são vários interligando vários salões deste aqui, vamos desvenda-los! – dizia João ignorando a voz da amiga.
Todos ali sentiam que era hora de partir, e ao convencerem João eles voltaram calmamente pelo corredor escuro. Quando chegaram de volta no primeiro salão observaram de um angulo diferente, havia uma espécie de haste próxima à entrada da caverna, eles se entreolharam e João já correu na frente pra analisar sozinho. Miguel estava abaixado amarrando seu cadarço e não prestou atenção. João grudou no pedaço de madeira e gritou “Vamos usar pra fazer uma fogueira!” e puxou a haste. Miguel que foi surpreendido pelo grito olhou pra frente e em fração de segundos sua mente processou toda a informação, como se ele já tivesse previsto. E a única coisa que conseguiu gritar foi um ‘não’, tão alto que parecia até ter intensificado as pedras que caiam do topo da caverna e escorregavam como uma avalanche dentro do hall.
Todos correram de volta para o corredor, enquanto a caverna desmoronava em cima deles, o barulho era ensurdecedor e a poeira se erguia como uma onda de um tsunami. João que estava mais próximo da saída correu desesperadamente, ao atingir cerca da metade da sala uma pequena pedra em alta velocidade atingiu sua cabeça e o fazendo cair na hora. Fabricio que viu a cena voltou para resgatar o amigo, e no meio da chuva de rochas e poeira agachou ao chão e colocou João nas suas costas, retornando ao abrigo do corredor estreito.
***
Era muito delicada a situação, os quatro jovens olhavam para o grande salão e o viam pela metade, totalmente forrado por pedras. Ninguém quis dizer nada, mas na cabeça de cada um ali estava a pergunta que geraria o caos ‘como sairemos daqui?’.
Eles decidiram esperar alguns minutos, estavam para entrar em pânico a qualquer momento, quando repentinamente o João começou a abrir os olhos. Ele aos poucos foi se recuperando e logo conseguiu sentar e olhar para o redor, fez uma cara de quem parecia estar acordando num pesadelo e sem dizer nada compartilhou o pânico de todos eles ali.
- O que faremos? – Jessica já sentia desesperada a vontade de chorar.
- Calma! Vamos manter a calma, vamos sair daqui. – Dizia Miguel tentando manter a ordem.
- Como? Não tem jeito, vamos morrer, estamos perdidos! – dramatizava João com as mãos sobre a cabeça.
Catarine aproveitou pra chorar em meio a confusão, e os minutos rolavam enquanto ninguém ali conseguia se entender. Fabrício sem dizer nada havia corrido até as pedras e começou a retira-las, ao menos as que ele conseguia. Logo ele estava soando e percebeu que as pedras eram enormes e pesadas, algumas haviam começado a deslizar do topo pela perturbação no equilíbrio da barragem de pedras, e Miguel pediu que ela não fizesse mais esforços, pois sua garrafa de água havia acabado, e a barragem quase desmoronou novamente.
- Qual a ideia então gênio? – Fabrício dizia nervoso, buscando a última gota de água da sua garrafa.
Miguel explicou que seria inútil tentar tirar as pedras do caminho, pois só gastaria energias, eles ainda tinham quatro garrafas bem cheias, e muito provavelmente teriam que passar a noite ali.
Olhando para cima eles viam o buraco no topo do hall, a ideia de subir até lá também já havia sido descartada, já que não havia como, eram muitos metros acima do solo, não havia jeito possível de chegar até lá, no entanto a clareira, que já começava a mostrar a luz da lua, trazia a ideia obvia de ligar os seus telefones e pedir ajuda. João não tinha celular e o de Miguel havia acabado a bateria. Os outros três tentaram e sem sucesso não encontraram sinal algum. Desligaram o celular pra economizar bateria e começaram a planejar como dormiriam dentro da caverna.
***
O sol novamente entrava pelo buraco lá em cima, dessa vez ele não parecia tão bonito, todos ali estavam desgastados e com cara de funeral. Um deles ligou o celular e tentou mais uma vez achar sinal, mais uma tentativa inútil. Eles se revezariam em busca de sinal e enquanto isso, sem perder tempo, João e Fabrício aproveitaram o sol pra adentrar na caverna e procurar uma outra saída.
Jéssica se aproximou calmamente de Miguel e o abraçou. Ela o olhou nos olhos e sorriu carinhosamente, ele ficou imóvel sem entender muito bem, ela o beijou ternamente e ele sorriu pra ela. Ela segurou suas mãos e colocou sobre seu peito e disse:
- Meu amor, tudo vai dar certo, eu consigo sentir que nosso destino não pertence a essa caverna, Deus me contou essa noite que existem vidas importantes aqui dentro.
Miguel deixou escapar uma lágrima dos olhos e abraçou novamente a namorada com muita força e carinho. Os garotos haviam voltado e pela cara deles não obtiveram sucesso, eles disseram que existem quatro salões iguais aquele e corredores que interligavam uns aos outros em forma de labirinto, mas a possibilidade de outra saída era quase nula.
A compaixão entre eles se manifestou, e eles sabiam que se tivessem que morrer todos ali, morreriam juntos e unidos, em nome da amizade que haviam cultivado ao longo de todos esses anos. Ninguém ali havia avisado formalmente os familiares que iriam para aquela caverna, então a tentativa de um telefonema era desesperada. Dois dias haviam passado e o racionamento de comida estava sendo bem severo para a melhor possibilidade possível, a água estava se esgotando e os esforços começavam a ficar desesperados. Fabricio sugeriu que eles urinassem novamente nas garrafas e bebessem para evitar a desidratação, que outra escolha tinham? Catarine não conseguiu, e seria possivelmente a primeira a sentir os efeitos da falta de água no organismo.
***
Jéssica ligou o celular bem embaixo do buraco e por alguns segundos um sinal surgiu em seu celular, ele desaparecia e voltava constantemente, ela não conseguiu realizar uma ligação, mas mais do que depressa tentou enviar uma mensagem para fora da caverna. O celular não deu resposta, o sinal sumiu e não quis mais voltar, todos estavam na expectativa, mas nada ali parecia progredir pra melhor.
***
Três semanas depois, todos estavam à beira do seu limite, o emocional já misturava todos os sentidos e eles nunca tiveram tanta certeza que ali seriam os seus leitos de morte. Os fortes sintomas de um corpo mal alimentado e mal hidratado apareciam nos pobres rapazes, não havia mais água, não havia mais comida, e quase não havia mais esperanças.
Jéssica estava isolada aquele dia, passou o dia todo sentada sozinha do outro lado do hall, fiava olhando o céu e pensando sozinha, ninguém ousou em incomoda-la, com o tempo até falar parecia gastar energia, e todos já estavam anos mais velhos ali dentro sem se alimentarem.
De repente a garota se levantou, veio andando aos poucos até onde estavam os garotos, pediu que todos se juntassem ali, e todos obedeceram. Ela olhou por um tempo para o rosto de cada um ali, compartilhando a mesma dor e sensação que cada um estava sentindo e depois de muito pesar proferiu cautelosamente suas palavras:
- Eu não quero assistir todos nós morrendo aqui de mãos dadas, sendo que alguns podem conseguir se safar, eu acho que um de nós deveria se sacrificar, e oferecer o corpo ao outro como alimento.
- Você diz canibalismo? – João engasgava nas palavras.
- Não e sim, eu quero dizer que se alguém servir de alimento os outros quatro terão mais chances, e assim um a um podem salvar os demais.
- Mas eu não quero ver ninguém morrendo – Disse Catarine apavorada.
- Mas você vai ter que ver, ou você vê um, ou todos nós...
Miguel ouvia calado a namorada, ele já estava a pensar naquela hipótese, mas sua ética não permitia que ele a propusesse para os amigos, em especial por ter que submeter sua namorada a esse tipo de procedimento, ele preferia morrer com todos ali, não colocaria a vida de quem amava em um jogo, preferiria perder a vida junto com ela, mas ele via a determinação nos olhos dela e logo quando ela conseguiu convencer todos eles, eles olharam para Miguel, e ele não teve escolha a não ser dizer que sim.
A discussão agora era quem deveria morrer, chegava a ser assustador e embriagante, mas a situação não deixava escolhas, e foi Miguel que sugeriu que tirassem no palito o sorteado. Eles pegaram cinco gravetos e um deles foi marcado com um risco usando uma pedra, o que ficasse com este seria o sacrifício. Foram longos e infinitos os olhares ali para começarem o sorteio, certos de que aquilo era mesmo o melhor a se fazer. Jéssica se candidatou a segurar os gravetos, ninguém falou nada.
Ela colocou todos os palitos na mão, envolvendo o risco que diferenciava o graveto dos outros quatro. Cada movimento ali parecia uma semana, e todos estavam nervosos. Ela começou a caminhar lentamente em direção a todos meio hesitante, ele olhou para o céu como fazendo uma prece e em seguida olhou para Miguel, e ele relembrou o que ela havia dito há algum tempo atrás, assim que ficaram presos. Ela tropeçou e derrubou os gravetos, começou a recolhê-los, e Miguel teve a sensação de que ela usou isso pra ver qual era o marcado, mas não conseguiu achar forças nem coragem pra questionar aquilo, enfim calou sua mente.
Cada qual tirou seu graveto, ninguém quis olhar logo o que era, todos esperaram e por fim se entreolharam, e com o pesar no coração foram abrindo as mãos e verificando seu graveto, ao ver que não era o escolhido encaminhava calmamente o olhar para o companheiro do lado, e assim, não tardou para que todos os olhos se voltassem para uma única pessoa.
O vento pareceu soprar mais forte ali dentro, Miguel começou a tremer descontroladamente, o suor espirrava dos seus poros como erupções, sua boca tremia e ele começou a perder a noção de tudo ao seu redor. Ele soltou o graveto ao chão, tentou dar alguns passos, mas estava paralisado, ele achou que morreria ali, naquele instante, mas do fundo da sua alma surgiu uma força que veio aos poucos rasgando e passando por cada musculo do seu corpo, aos poucos ele foi tomando força e aquela sensação veio subindo pela garganta, quando chegou às suas cordas vocais explodiu de uma só vez:
- Não! Não! Não! Vocês não podem fazer isso, não!
O Silêncio havia sido rompido e todos continuaram quietos.
- Pelo amor de Deus, eu me ofereço, matem a mim, deixem ela, por favor!
Todos se olhavam, ninguém se ousava a dizer nada. Jéssica colocou o graveto marcado no chão e foi até Miguel calmamente. Ele chorava compulsivamente e ela teve que levantar seu rosto para fitar seus olhos:
- Está tudo bem.
A voz dela penetrou no seu corpo lhe anestesiando da dor que sentia, ele soluçava e gaguejava as palavras mal ditas:
-Você não precisa... Eu faço, por favor.
Ela sorriu carinhosamente, ajeitou o cabelo todo bagunçado e o abraçou, ele retribuiu e ela disse num tom suave e calmo:
- No dia que eu jurei te amar, e que seria pra sempre eu lhe dei meu coração, e hoje eu vou lhe oferece-lo novamente, pra você poder viver, eu fui escolhida justamente, e não quero que você fique chateado, a minha hora chegou e eu quero ser a pessoa que vai te tirar daqui, você já fez muito por mim, é a minha vez...
Miguel ouvia as palavras frustrado, sem saber oque dizer, como agir, estava completamente paralisado e ficava repetindo a todo o tempo o quanto a amava. Eles se beijaram e ela levantou, no exato momento Catarine desmaiou, seu estado era pior que dos outros, ela estava muito mais desidratada, e todos correram para socorrê-la. Miguel aproveitou a cena para gritar:
- Pronto, vamos matá-la, ela já deve estar morta mesmo, ela vai ser escolhida por ter sido a mais fraca!
Ninguém estava ouvindo, todos estavam ajudando a amiga, e ele se sentiu mal quando conseguiu processar suas próprias palavras. Jéssica voltou até ele segurou seu corpo e lhe disse:
- Aceite Miguel, é o destino, seus amigos precisam de você, não me decepcione. Você me fez a garota mais feliz desse mundo, continue sendo quem você é para seus amigos, eles merecem o seu amor. – Ela olhou pra baixo um instante e diminuiu o tom de voz – Sabe, naquele dia em que nos conhecemos eu já sabia, jamais encontraria alguém como você, e tinha certeza que morreria pra te fazer feliz, muito obrigado por tudo, eu te espero feliz nessa vida lá de cima. Eu te amo Miguel Montoya!
A última gota escorreu do corpo dele e assim ela pode se deitar no chão da caverna. Ela entregou uma pedra grande nas mãos de Fabrício e pediu que ele fizesse. Com muito pesar no coração ele ergueu a pedra, viu pela ultima vez o rosto calmo e sorridente da amiga, e ali não havia mais cinco pessoas.
***
Miguel foi até o corpo estirado no chão, segurou sua mão e chorou no peito de Jéssica. Todos viam horrorizados a cena, e se afastaram dali, ajudando Catarine que voltava a acordar em um estado extremamente preocupante. Eles sabiam quem precisavam comer, mas ninguém ali sabia se conseguiriam. Fabricio indicou a Miguel que ele deveria ser o primeiro.
Depois de um tempo ele olhou para a namorada morta e tentou apagar por cinco minutos a realidade pra poder proceder com o que ela tanto lhe pediu pra fazer. Na sua cabeça a ideia de que ela propositalmente se escolhera para morrer martelava seus pensamentos, mas agora era tarde, e ele sabia, e tentava desviar aquilo tudo.
Por fim, enxugou as lágrimas, fechou os olhos da garota e cobriu o seu rosto com uma das mochilas. Ele precisava se alimentar dela, todos precisavam, e ele precisava iniciar o ritual, se não todos morreriam, e morte dela seria em vão, ele não podia decepcioná-la. Ele olhou para todo o corpo da namorada e se instalou próximo as suas pernas, ele começou a acariciar as coxas da menina e olhar fixamente para elas. Na sua cabeça ele tentava materializar outra coisa ‘carne!’ mas a tentativa não era muito eficiente. Ele aproximou a boca da perna branca e lisa da garota e pode sentir a sua loção hidratante que há muito já havia perdido o cheiro, ele deu um beijo nas coxas dela e quase se excitou. Abriu a boca e mordeu como um animal selvagem a perna. O carne entrou na sua boca e o sangue tingiu seus dentes, instantaneamente seu cérebro bloqueou as informações e ele achou gostoso aquilo, seu corpo podia sentir cada proteína armazenada naquela carne, naquele sangue. Então ele deu outra mordida, e sua fome pareceu diminuir. Justamente no momento em que um helicóptero apareceu no buraco do alto da caverna, eles estavam salvos...
***
A mensagem de Jéssica tinha chegado à sua casa e sua mãe colocou toda a polícia atrás dos garotos. Depois de alguns dias encontram o rastro do Jipe na pequena estrada que levava até a caverna. Eles os tiraram de lá e os encaminharam imediatamente ao hospital. Catarine havia perdido muito água, e não aguentou até chegar ao hospital. A mãe de Jéssica entrou em pânico ao saber da filha morta, e culpou Miguel pela sua morte. Ele por sua vez ficou quiete como se no fundo sentisse que ela realmente tivesse razão. Depois daquilo anos se passaram até o trauma ser ao menos parcialmente superado, até os dias de hoje Miguel tinha pesadelos com isso, e sempre era um indicador de que algo ruim estava pra acontecer. Os três garotos que saíram daquela caverna naquele dia nunca mais conversaram entre si, o grupo havia acabado.
***

sábado, 17 de novembro de 2012

Enganos




Hoje eu acordei com vontade de lhe dizer
Algumas boas verdades que talvez você não entenda
Ontem à noite eu disse coisas de que me arrependo
Mas nada vai mudar entre os nossos desejos

Às vezes acho que você não entende o tamanho da nossa mentira
Andando por ai fingindo que tudo não passou de mais um engano
Mais alguns erros, mais um pedaço da nossa história.
Esperando que você olhe nos meus olhos e diga que me entende
Depois de todos esses anos.

Não quero que você pense que eu estou te esperando
Só por que eu ainda aguardo a sua resposta

Às vezes acho que você não entende o tamanho da nossa mentira
Andando por ai fingindo que tudo não passou de mais um engano
Mais alguns erros, mais um pedaço da nossa história.
Esperando que você olhe nos meus olhos e diga que sabe o que quer

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A Chuva




Tirou os pés da chuva, e pôs se a chorar, eliminando cada resto de amargo do seu coração, a chuva lavava sua tristeza, e ela soluçava feito criança. Buscando no barulho das suas lágrimas o silêncio da sua alma.
A vida era monótona, chata, cheia de imperfeições e pedaços de coisas podres, carregada de um odor ruim de insatisfação. Nada parecia certo, as pessoas não eram certas, nada lhe comovia, nada lhe agradava, os padrões não se encaixavam, a vida não fluía, os sonhos eram intangíveis de tal maneira que a esperança não passava de uma ideia distante.
Assim se fez mais uma história naquele pedacinho de lugar na imensidão do universo infinito, mais um alguém buscando respostas nas perguntas que não tinham solução, esse é o pedaço da vida de cada um de nós, fadados a vagar no legado da nossa miséria. Ela tinha brilho nos olhos, seu sorriso escorregava entre as bochechas de forma encantadora, era quase uma contradição encontrar mágica em uma alma triste, mas lá estava ela.
Ela tinha tudo sob controle, ou achava que tinha. Era como sentir prazer em se viver de angústia, mas no fundo às vezes um sorriso escapava, e nem sempre tudo parecia perdido. Os problemas eram sombras que se afastavam quando o sol aparecia por detrás das nuvens e trazia aquele lindo efeito do arco íris. Era lindo saber como uma gota de chuva, que parecia uma lágrima triste, poderia fazer um efeito prismático à luz do sol e nos presentear com uma bela visão.
O silêncio aos poucos foi se rompendo e o céu foi adquirindo seus mórbidos tons de cinza, os relâmpagos cortavam o horizonte vez ou outra, e a chuva despencava sobre as telhas como se viesse de bem longe no espaço. Ela sentou-se na varanda de novo e esticou os pés à chuva, aquela mesma sensação de choro invadiu seu corpo de novo, mas dessa vez ela se pôs de pé e saiu rua a fora, ficou parada ali, vendo as pessoas correndo para suas casas e pegando seus guarda chuvas.
Sentou-se então no meio fio e ficou olhando para o céu, a água deslizava pelas suas curvas e ela sentia a temperatura do seu corpo diminuindo, ela soltou um sorriso sem graça e continuou ali estática. Ela acordaria com um baita resfriado no dia seguinte, mas já não importava mais, por que aquela leve sensação de querer desaparecer do mundo, por algum motivo, desaparecia quando lá de cima o sol vinha rasgando a escuridão dos nossos pecados.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Relatividade





E mais uma vez eu me deito à noite na minha cama e me pego pensando quantas vezes eu já fiquei ali, paralisado e com a mente viajando por mundos e universos distantes. Quanto da minha existência já passei planejando os meus sonhos antes de dormir, calculando cada desejo ao longo dos dias, meses e anos, vivendo na variável contínua tempo cada momento num intervalo breve infinito. Ah, Quantas coisas eu gostaria de fazer na minha vida.
Eu já perdi muito tempo estudando a relatividade do tempo, e Einstein conseguiu me provar acima da ciência que os bons momentos passam rápido, e consequentemente os não agradáveis se delongam nos nossos dias, se arrastando propositalmente e se negando a sessar quando desejamos. Mas e quanto a vida? O que devemos viver pra podermos morrer completos ou ao menos satisfeitos com a vida que tivemos? Parece-me uma pergunta relativa.
Tem gente que gosta de dizer ‘tem uma vida inteira pela frente’, e os 20 longos anos que já se passaram? A gente vai envelhecendo e se questionando, querendo saber o propósito de tudo, buscando a felicidade por ai, caçando o significado das nossas vidas, querendo entender a grandeza do universo, a existência de Deus, a complexidade do cérebro humano. No final das contas o tempo passa e as perguntas se multiplicam, a gente morre frustrado, em busca de respostas que não existem.
A simplicidade sempre vai ser a maneira exata de se viver feliz e completo consigo mesmo, difícil é saber quanto tempo ela vai demorar pra se apoderar da minha vida gananciosa, cheia de nuances de poder, fama e conquistas gigantescas. É abrir mão te todos os sonhos de uma existência por uma vida feliz, ou continuar experimentando a frustração e a dor de um mundo incompleto, mas sempre com a mente aberta a experimentar as particularidades deste mesmo.
E quanto tempo você tem de vida? Já garantiu sua vida simples ou uma parte dos seus sonhos? O tempo vai passar, arrependimento é uma baita experiência ruim, eu particularmente aconselho sempre a jamais desistir, mas de qualquer forma temos muito a aprender, e aqui mais uma vez o tempo passa, e eu fico em círculos buscando a explicação da minha vida frustrada. Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e não posso ficar ai parado.