Ele estava lá, parada no canto
esquerdo do corredor longínquo e infinito. Eu sabia que não seria fácil fugir
daquela sensação que me invadia de uma maneira tão inédita e intensa. Eu tentei
passar discretamente por ele sem que me notasse, ele conversava com dois amigos
e seus risos e trejeitos me davam calafrios, eu como a delicadeza em pessoa
tropecei no vazio e cai no chão com todos os meus livros e papeis da escola. Eu
não levantei o rosto para ver, mas eu sabia que todos ali naquele corredor me
olhavam e riam. Eu não me importava com os outros, mas me envergonhava a
possibilidade dele ter me visto cair, e tentando discretamente fugir do olhar
dele eu imprescindivelmente acabei encontrando aqueles lindos olhos verdes pela
primeira vez. “Posso ajudar moça bonita?” com um sorriso tão fantástico que eu
travei, ‘claro que pode. Aproveita e casa comigo, seu maravilhoso!’ e ele rompendo
o silêncio novamente repetiu se podia ajudar. E eu saindo do transe consegui
enfim responde-lo “pode sim, muito obrigado!”.
Cheguei em casa eufórica e fui
direto contar pras minhas amigas a cena da escola. Elas riram e disseram nessas
exatas palavras “Aproveita, amiga, mas não se apega não, esse ai não vale nada!”.
E antes eu tivesse maturidade o suficiente pra entender como de fundamental
certeza elas detinham naquele momento. Ele apareceu de novo, é claro. Conversamos
por longos minutos que se tornaram em pouco tempo dias. Ele tinha aquele jeito
encantador, levava jeito com as palavras, parecia que sabia sempre o que falar
e no momento certo, e quando não falava seu perfume invadia minha existência
como algo muito transcendente a qualquer sensação que eu já havia tido até
então. Apaixonei-me perdidamente por ele. Passei dias sonhando com ele e aquela
barba cheia perto de mim, me beijando e me levando para conhecer o mundo. Eu
era ingênua, mas algo me dizia que aquilo não estava certo, mas de qualquer
forma eu gostava de acreditar, o amor era mágico e fantástico aos olhos da
jovem menina que eu era antes de aprender a viver.
Lembro quando ele me chamou pra sair
pela primeira vez, meu coração saltou pra fora do meu peito e eu quase entrei
em pânico “calma, calma, CALMA mulher!” e depois de alguns minutos eu respondi
a mensagem dele com toda a delicadeza dizendo que adoraria sair com ele sim. Eu
tomei um banho dos deuses, lavei os cabelos que estavam sujos e amaldiçoei minha
genética por eles não ficarem como eu queria nunca quando secos. Foram horas na
frente do espelho e do meu guarda roupas. E quando todas as roupas já estavam
em cima da cama consegui escolher uma que parecia ser a menos pior, nada
parecia bom o suficiente. Até que ele chegou.
Me esqueci de fazer as unhas e me
sentia extremamente derrotada por isso, sai escondendo as mãos torcendo pra ele
não reparar, como se aquilo fosse arruinar o encontro. Ele me viu, me cumprimentou
com um beijo no rosto, sua barba roçou minha bochecha e eu arrepiei. Ele disse “Nossa,
como você está linda!”. E eu já era totalmente dele em menos de cinco minutos
de encontro, mas lutaria bravamente pra que ele jamais desconfiasse.
Jantamos num restaurante bacana, ele
foi cavalheiro, gentil, simpático, me contou da sua vida, dos seus planos, se
mostrou interessado por todos os pontos da minha vida e ao final pagou a conta
e me levou de volta pra casa. Já no portão de casa eu suava frio e me
perguntava se havia feito tudo certo ou em algum ponto podia ter o assustado,
fiquei ali analisando o encontro buscando falhas, até que ele rompeu o silêncio
que já ficava constrangedor. “Foi maravilhoso passar um tempo com você e poder
te conhecer melhor, posso te dar um beijo de boa noite?” E mais uma vez meu
ótimo jeito de lidar com situações entrou em ação, eu não consegui responder,
eu queria dizer “Me beija, por favor!”, mas que maluca desesperada ele acharia
que eu sou. Eu pensei em beija-lo, mas olhava para ele e algo me segurava ali,
uma força invisível que me impedia de fazer qualquer coisa, era mais uma vez eu
sendo tão eu. Ele interpretou meu sorriso corretamente e me beijou. Foi belo e doce
como todo beijo do primeiro amor que a gente tem na nossa vida. Ele se foi e eu
entrei em casa em êxtase “Ele me beijou!!!” contei pras amigas e elas riam e
alertavam como sempre “ah safadona! Tá dando uns amassos no mais gato da
escola, mas vai com calma esse coração ai ein.”.
E dias passaram, e eu tive que
aprender a lidar com ele sendo o tal cara popular que conhecia todo mundo. Eu
sentia que a qualquer momento ia grudar no pescoço de qualquer uma daquelas
piranhas da escola e arrancaria cada fico de cabelo oxigenado da cabeça delas.
Mas me mantive, eu se quer tinha esse direito. Ele me tratava como qualquer
outra pessoa na escola, e eu começava a me questionar o grau da exclusividade que
eu tinha realmente na sua vida. A cada riso com outra pessoa eu criava mil
teorias de como ele possivelmente estaria me traindo e me fazendo de otária.
Minhas amigas reforçavam isso sempre e eu ficava paranoica. Mas toda vez que eu
o via sábado à noite e ele dizia “Adoro seu sorriso, bonita!”, eu esquecia tudo
e me entregava inteira pra ele.
O tempo passou, e passou muito, e eu
continuei exatamente ali, naquela posição impossível de ser feliz por completo,
e depois de tanto ser feita de tonta descobri enfim que ele tinha duas ou mais
amantes por ai. Minha primeira reação foi querer matá-las, mas com mais calma
eu sabia que elas podiam ser tão ingênuas como eu, então minha segunda reação
foi chorar, e muito, na vã tentativa de por toda aquela dor pra fora e me
sentir livre daquele peso, mas não tinha como, eu estava fadada a sofrer por
amar alguém que não me queria como exclusividade em sua vida. A próxima reação
foi a raiva, pude olhar na cara dele e falar tudo o que queria, por pra fora
toda a dor e certeza de que ele era um cafajeste e que havia me usado. “Sem
caráter! Sem personalidade! Seu babaca!” e depois de ouvir tudo em silêncio ele
apenas disse “Ok! Não precisa me perdoar, mas a intenção não era magoar,
desculpa” e foi embora. ‘Não era magoar?’ pensei comigo ‘Ah seu filho de uma
puta!’ e aquilo me irritou profundamente que eu desejei que o carro dele
explodisse antes de dobrar a esquina, e logo depois chorei mais alguns litros
de arrependimento e percebi que no fundo eu esperava que ele dissesse que eu
era especial, que ele havia errado, mas que queria ficar comigo. Eu estava
disposta a perdoar o maior dos pecados por um amor que me cegava. Eu era uma
idiota.
Três dias se passaram no mundo real
e eu parecia ter envelhecido três anos, era infinita a dor, a espera, a
incerteza do futuro. Então ele ligou, e meu coração voltou a saltar pela boca.
Eu tinha raiva, mas também tinha saudades, e como tinha. Sentia-me péssima por
sentir saudades do abraço dele, dos beijos tão gostosos, do cheiro, do sorriso,
da barba, os olhos verdes misteriosos... “Posso ir até ai?” e eu disse que sim,
por que eu era burra, e eu queria vê-lo, queria poder tocá-lo mais uma vez, e
quando ele chegou eu me perdi de novo num sentimento que não sabia descrever, e
conforme ele ia se desculpando e dizendo que eu era especial e importante eu ia
me entregando de novo a ele, cometendo aquele erro mais uma vez. Cometendo
aquele erro delicioso mais uma vez.
Ele me beijou delicadamente e
mordiscou meus lábios, eu apertei seu corpo contra o meu e a gente se deitou no
sofá. Ele pôs a mão no meu rosto e disse que eu estava deslumbrante. Eu sorri
de volta e sem falar nada o empurrei para o chão e subi em cima dele. Ele tirou
minha camisa e eu a dele e o sexo ali no chão nunca havia sido tão bom. “Como
pode?” eu pensava comigo, mas sabia que eu estava pisando em cacos de vidro,
minhas amigas disseram pra eu me livrar disso antes que eu ficasse pior do que
já estava, mas eu não queria. Eu pensei comigo e estava disposta a dar o troco,
a usá-lo quando quisesse e torná-lo totalmente descartável. Mas o tempo ia
passando e eu não conseguia dizer não a ele, não conseguia me interessar por
outras pessoas, e a gente rolava naqueles velhos lençóis de novo, e de novo, e
de novo. E eu me vi novamente aprisionada a inevitável tragédia romântica que
era a minha vida.
Ele se retratou misteriosamente, me
pediu em namoro, me trouxe flores e foi um amor de pessoa por algumas semanas.
Eu a esse ponto já havia acreditado e estava confiante, achando que dessa vez
sim, dessa vez seria diferente, daria certo, nosso amor iria perdurar. Mas algo
que eu aprendi com a vida é que tudo que começa errado tende a terminar pior
ainda. E depois de meses de namoro eu o peguei me traindo com uma das garotas
que se intitulava minha amiga. O baque foi dos maiores possíveis, mas eu
aprendi, juro. Terminei o namoro e a amizade ali para sempre, sentia que minha
vida estava destinada a ser um pesadelo para sempre, cheguei a duvidar que
existisse amor de verdade, afinal todos os homens eram iguais, babacas,
cafajestes que só pensavam em sexo. Aprendi a ser mulher e viver a minha vida para
mim e exclusivamente para mim.
Aprendi a tocar piano, consegui
fazer as aulas de pole dance que tanto sonhava e me dediquei fielmente aos
estudos. Passei na faculdade que queria, mudei de cidade, aprendi a me virar
sozinha, conheci pessoas novas, amadureci minhas experiências e cresci como
indivíduo. Entrei na academia, fiz dezenas de amizades, conheci caras tão mais
fantásticos, que dariam tudo por mim, dispensei todos. Era um novo eu ali, e eu
havia superado tão bem tudo aquilo que por anos fiquei sem nem ter notícias do
meu ex-namorado. Depois de algum tempo soube que ele havia largado os estudos,
que havia tido problemas com o álcool, estava deveras gordo e com semblante sem
vida. Ele não era mais o mesmo de anos atrás. Tinha um emprego numa oficina e
havia engravidado uma menina da cidade. Eu podia pensar “Bem feito!”, mas eu já
era muito melhor que isso e podia apenas sentir pena de ver alguém se perder
dessa maneira.
Por acaso encontrei ele um dia
desses e ele me reconheceu. Ele se encheu de alegria e me abraçou, disse que
estava orgulhoso de ver como eu havia crescido e ficado inteligente. Eu não
podia dizer o mesmo, mas menti dizendo que era bom vê-lo também. Ele me contou
sobre sua vida e depois num momento de desabafo me pediu desculpas, disse que
era um desmiolado e sabia que havia me feito muito mal. A essa altura eu
interpretava o mal como uma baita experiência de vida. E ele continuou ali por
alguns minutos sendo sincero como nunca havia sido. Sim, eu podia saber dessa
vez, pois eu não estava apaixonada por ele. E eu dei a paz dele com um abraço
dizendo que tudo bem, havia durado e sido simplesmente o que era pra ser.
Fui pra casa depois e parei no
portão lembrando aquele primeiro beijo há tantos anos. E sorri, por que não
importava o quão ruim a história havia sido, foi tão mágico. E eu me peguei
imaginando como seria ficar com ele de novo, depois de tantos anos, seria a
mesma coisa? Livrei-me do pensamento rápido, com medo que pudesse me corroer.
Aprendi que amigos são pra sempre nessa vida, estarão sempre lá quando a gente
precisar. Já os ex-namorados, bom, podem estar também, mas nem sempre são bem
vindos, ainda mais quando a gente insiste em errar infinitas vezes por simplesmente
se perder num brilho mágico que existe no fundo dos olhos de algumas pessoas
que passam pela nossa vida. Peguei o celular e liguei pra ele.
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