quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Meu eterno ex-namorado





            Ele estava lá, parada no canto esquerdo do corredor longínquo e infinito. Eu sabia que não seria fácil fugir daquela sensação que me invadia de uma maneira tão inédita e intensa. Eu tentei passar discretamente por ele sem que me notasse, ele conversava com dois amigos e seus risos e trejeitos me davam calafrios, eu como a delicadeza em pessoa tropecei no vazio e cai no chão com todos os meus livros e papeis da escola. Eu não levantei o rosto para ver, mas eu sabia que todos ali naquele corredor me olhavam e riam. Eu não me importava com os outros, mas me envergonhava a possibilidade dele ter me visto cair, e tentando discretamente fugir do olhar dele eu imprescindivelmente acabei encontrando aqueles lindos olhos verdes pela primeira vez. “Posso ajudar moça bonita?” com um sorriso tão fantástico que eu travei, ‘claro que pode. Aproveita e casa comigo, seu maravilhoso!’ e ele rompendo o silêncio novamente repetiu se podia ajudar. E eu saindo do transe consegui enfim responde-lo “pode sim, muito obrigado!”.

            Cheguei em casa eufórica e fui direto contar pras minhas amigas a cena da escola. Elas riram e disseram nessas exatas palavras “Aproveita, amiga, mas não se apega não, esse ai não vale nada!”. E antes eu tivesse maturidade o suficiente pra entender como de fundamental certeza elas detinham naquele momento. Ele apareceu de novo, é claro. Conversamos por longos minutos que se tornaram em pouco tempo dias. Ele tinha aquele jeito encantador, levava jeito com as palavras, parecia que sabia sempre o que falar e no momento certo, e quando não falava seu perfume invadia minha existência como algo muito transcendente a qualquer sensação que eu já havia tido até então. Apaixonei-me perdidamente por ele. Passei dias sonhando com ele e aquela barba cheia perto de mim, me beijando e me levando para conhecer o mundo. Eu era ingênua, mas algo me dizia que aquilo não estava certo, mas de qualquer forma eu gostava de acreditar, o amor era mágico e fantástico aos olhos da jovem menina que eu era antes de aprender a viver.

            Lembro quando ele me chamou pra sair pela primeira vez, meu coração saltou pra fora do meu peito e eu quase entrei em pânico “calma, calma, CALMA mulher!” e depois de alguns minutos eu respondi a mensagem dele com toda a delicadeza dizendo que adoraria sair com ele sim. Eu tomei um banho dos deuses, lavei os cabelos que estavam sujos e amaldiçoei minha genética por eles não ficarem como eu queria nunca quando secos. Foram horas na frente do espelho e do meu guarda roupas. E quando todas as roupas já estavam em cima da cama consegui escolher uma que parecia ser a menos pior, nada parecia bom o suficiente. Até que ele chegou.

            Me esqueci de fazer as unhas e me sentia extremamente derrotada por isso, sai escondendo as mãos torcendo pra ele não reparar, como se aquilo fosse arruinar o encontro. Ele me viu, me cumprimentou com um beijo no rosto, sua barba roçou minha bochecha e eu arrepiei. Ele disse “Nossa, como você está linda!”. E eu já era totalmente dele em menos de cinco minutos de encontro, mas lutaria bravamente pra que ele jamais desconfiasse.

            Jantamos num restaurante bacana, ele foi cavalheiro, gentil, simpático, me contou da sua vida, dos seus planos, se mostrou interessado por todos os pontos da minha vida e ao final pagou a conta e me levou de volta pra casa. Já no portão de casa eu suava frio e me perguntava se havia feito tudo certo ou em algum ponto podia ter o assustado, fiquei ali analisando o encontro buscando falhas, até que ele rompeu o silêncio que já ficava constrangedor. “Foi maravilhoso passar um tempo com você e poder te conhecer melhor, posso te dar um beijo de boa noite?” E mais uma vez meu ótimo jeito de lidar com situações entrou em ação, eu não consegui responder, eu queria dizer “Me beija, por favor!”, mas que maluca desesperada ele acharia que eu sou. Eu pensei em beija-lo, mas olhava para ele e algo me segurava ali, uma força invisível que me impedia de fazer qualquer coisa, era mais uma vez eu sendo tão eu. Ele interpretou meu sorriso corretamente e me beijou. Foi belo e doce como todo beijo do primeiro amor que a gente tem na nossa vida. Ele se foi e eu entrei em casa em êxtase “Ele me beijou!!!” contei pras amigas e elas riam e alertavam como sempre “ah safadona! Tá dando uns amassos no mais gato da escola, mas vai com calma esse coração ai ein.”.

            E dias passaram, e eu tive que aprender a lidar com ele sendo o tal cara popular que conhecia todo mundo. Eu sentia que a qualquer momento ia grudar no pescoço de qualquer uma daquelas piranhas da escola e arrancaria cada fico de cabelo oxigenado da cabeça delas. Mas me mantive, eu se quer tinha esse direito. Ele me tratava como qualquer outra pessoa na escola, e eu começava a me questionar o grau da exclusividade que eu tinha realmente na sua vida. A cada riso com outra pessoa eu criava mil teorias de como ele possivelmente estaria me traindo e me fazendo de otária. Minhas amigas reforçavam isso sempre e eu ficava paranoica. Mas toda vez que eu o via sábado à noite e ele dizia “Adoro seu sorriso, bonita!”, eu esquecia tudo e me entregava inteira pra ele.

            O tempo passou, e passou muito, e eu continuei exatamente ali, naquela posição impossível de ser feliz por completo, e depois de tanto ser feita de tonta descobri enfim que ele tinha duas ou mais amantes por ai. Minha primeira reação foi querer matá-las, mas com mais calma eu sabia que elas podiam ser tão ingênuas como eu, então minha segunda reação foi chorar, e muito, na vã tentativa de por toda aquela dor pra fora e me sentir livre daquele peso, mas não tinha como, eu estava fadada a sofrer por amar alguém que não me queria como exclusividade em sua vida. A próxima reação foi a raiva, pude olhar na cara dele e falar tudo o que queria, por pra fora toda a dor e certeza de que ele era um cafajeste e que havia me usado. “Sem caráter! Sem personalidade! Seu babaca!” e depois de ouvir tudo em silêncio ele apenas disse “Ok! Não precisa me perdoar, mas a intenção não era magoar, desculpa” e foi embora. ‘Não era magoar?’ pensei comigo ‘Ah seu filho de uma puta!’ e aquilo me irritou profundamente que eu desejei que o carro dele explodisse antes de dobrar a esquina, e logo depois chorei mais alguns litros de arrependimento e percebi que no fundo eu esperava que ele dissesse que eu era especial, que ele havia errado, mas que queria ficar comigo. Eu estava disposta a perdoar o maior dos pecados por um amor que me cegava. Eu era uma idiota.

            Três dias se passaram no mundo real e eu parecia ter envelhecido três anos, era infinita a dor, a espera, a incerteza do futuro. Então ele ligou, e meu coração voltou a saltar pela boca. Eu tinha raiva, mas também tinha saudades, e como tinha. Sentia-me péssima por sentir saudades do abraço dele, dos beijos tão gostosos, do cheiro, do sorriso, da barba, os olhos verdes misteriosos... “Posso ir até ai?” e eu disse que sim, por que eu era burra, e eu queria vê-lo, queria poder tocá-lo mais uma vez, e quando ele chegou eu me perdi de novo num sentimento que não sabia descrever, e conforme ele ia se desculpando e dizendo que eu era especial e importante eu ia me entregando de novo a ele, cometendo aquele erro mais uma vez. Cometendo aquele erro delicioso mais uma vez.

            Ele me beijou delicadamente e mordiscou meus lábios, eu apertei seu corpo contra o meu e a gente se deitou no sofá. Ele pôs a mão no meu rosto e disse que eu estava deslumbrante. Eu sorri de volta e sem falar nada o empurrei para o chão e subi em cima dele. Ele tirou minha camisa e eu a dele e o sexo ali no chão nunca havia sido tão bom. “Como pode?” eu pensava comigo, mas sabia que eu estava pisando em cacos de vidro, minhas amigas disseram pra eu me livrar disso antes que eu ficasse pior do que já estava, mas eu não queria. Eu pensei comigo e estava disposta a dar o troco, a usá-lo quando quisesse e torná-lo totalmente descartável. Mas o tempo ia passando e eu não conseguia dizer não a ele, não conseguia me interessar por outras pessoas, e a gente rolava naqueles velhos lençóis de novo, e de novo, e de novo. E eu me vi novamente aprisionada a inevitável tragédia romântica que era a minha vida.

            Ele se retratou misteriosamente, me pediu em namoro, me trouxe flores e foi um amor de pessoa por algumas semanas. Eu a esse ponto já havia acreditado e estava confiante, achando que dessa vez sim, dessa vez seria diferente, daria certo, nosso amor iria perdurar. Mas algo que eu aprendi com a vida é que tudo que começa errado tende a terminar pior ainda. E depois de meses de namoro eu o peguei me traindo com uma das garotas que se intitulava minha amiga. O baque foi dos maiores possíveis, mas eu aprendi, juro. Terminei o namoro e a amizade ali para sempre, sentia que minha vida estava destinada a ser um pesadelo para sempre, cheguei a duvidar que existisse amor de verdade, afinal todos os homens eram iguais, babacas, cafajestes que só pensavam em sexo. Aprendi a ser mulher e viver a minha vida para mim e exclusivamente para mim.

            Aprendi a tocar piano, consegui fazer as aulas de pole dance que tanto sonhava e me dediquei fielmente aos estudos. Passei na faculdade que queria, mudei de cidade, aprendi a me virar sozinha, conheci pessoas novas, amadureci minhas experiências e cresci como indivíduo. Entrei na academia, fiz dezenas de amizades, conheci caras tão mais fantásticos, que dariam tudo por mim, dispensei todos. Era um novo eu ali, e eu havia superado tão bem tudo aquilo que por anos fiquei sem nem ter notícias do meu ex-namorado. Depois de algum tempo soube que ele havia largado os estudos, que havia tido problemas com o álcool, estava deveras gordo e com semblante sem vida. Ele não era mais o mesmo de anos atrás. Tinha um emprego numa oficina e havia engravidado uma menina da cidade. Eu podia pensar “Bem feito!”, mas eu já era muito melhor que isso e podia apenas sentir pena de ver alguém se perder dessa maneira.

            Por acaso encontrei ele um dia desses e ele me reconheceu. Ele se encheu de alegria e me abraçou, disse que estava orgulhoso de ver como eu havia crescido e ficado inteligente. Eu não podia dizer o mesmo, mas menti dizendo que era bom vê-lo também. Ele me contou sobre sua vida e depois num momento de desabafo me pediu desculpas, disse que era um desmiolado e sabia que havia me feito muito mal. A essa altura eu interpretava o mal como uma baita experiência de vida. E ele continuou ali por alguns minutos sendo sincero como nunca havia sido. Sim, eu podia saber dessa vez, pois eu não estava apaixonada por ele. E eu dei a paz dele com um abraço dizendo que tudo bem, havia durado e sido simplesmente o que era pra ser.

            Fui pra casa depois e parei no portão lembrando aquele primeiro beijo há tantos anos. E sorri, por que não importava o quão ruim a história havia sido, foi tão mágico. E eu me peguei imaginando como seria ficar com ele de novo, depois de tantos anos, seria a mesma coisa? Livrei-me do pensamento rápido, com medo que pudesse me corroer. Aprendi que amigos são pra sempre nessa vida, estarão sempre lá quando a gente precisar. Já os ex-namorados, bom, podem estar também, mas nem sempre são bem vindos, ainda mais quando a gente insiste em errar infinitas vezes por simplesmente se perder num brilho mágico que existe no fundo dos olhos de algumas pessoas que passam pela nossa vida. Peguei o celular e liguei pra ele.

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