Os
desenhos pela janela iam se rearranjando e trocando suas posições rapidamente,
e logo a paisagem verde com um lindo riacho azul de fundo ia sendo substituída por
grandes estruturas de concreto armado, que se estendiam céu acima como
escadarias para o paraíso. Aos poucos fui me impressionando com as formas e
cores que se estendiam pelas ruas cheias de variedades diversas, parecia não
haver fim aquele imenso volume de informações e vidas que circulavam em um só
lugar. Então o ônibus parou.
Eu
tinha negócios a resolver aquela tarde na cidade grande, mas algo havia me
marcado em especial. Eu ajeitei a gola da minha camisa com cheiro de interior e
me adentrei em meio às largas calçadas daquele centro urbano, quando vinha de
encontro com um rapaz todo pomposo, encaixado perfeitamente em seu terno preto
e sua gravata démodé, trazia em uma das mãos um jornal meio amassado e na outra
uma xícara de café, que equilibrava junto aos passos longos e rápidos. Por
certo instante desviou o olhar na minha direção, eu passei ao seu lado com um
sorriso no rosto e lhe dei um ‘bom dia’, me lembro de ser ignorado como se não
estivesse ali, o jovem passou e nem se quer percebeu minha presença, assim como
outros vários que passavam pela aquela mesma infinita avenida de formigas
trabalhadoras e esbarravam no meu ombro, mas não acordavam da sua transe psíquica.
Na
minha terra todos se conheciam, cidade pequena de interior é tudo uma família
só, as pessoas são educadas e se cumprimentam. Eu cheguei ao meio daquele bolo
de gente e precisa perder certos costumes, mas estava pelejando a deixar alguns
deles, como esse em específico. Lembro-me inclusive de acenar para a garçonete
que entregou meu café com leite na lanchonete, em sinal de agradecimento, mas
ela virou as costas antes que meu sorriso pudesse se formar em meu rosto. Era
frustrante, mas eu iria pegar o jeito.
A
tarde caia juntamente com a temperatura, e as ruas pareciam morrer junto com o
por do sol, a velocidade diminuía e eu podia sentir certa semelhança com o
rebanho da minha fazenda. Eu tropiquei numa calçada e me espatifei em cima de
uma senhora que por alguns centímetros de equilíbrio não vai ao chão, eu
levantei a cabeça para me desculpar e ela já estava caminhando longe dali, com
um passo meio torto e penso para um dos lados, parecia um pinguim de saltos. Eu
olhei no relógio e me coloquei a andar em direção a rodoviária, onde a jornada
havia começado há pouco, mas com um sol bem mais vivido.
Ainda
havia um tempo me sobrando, e eu não poderia usá-lo de outra forma a qual não
fosse ir ao banheiro, além do mais estava apertadíssimo e minha bexiga clamava
uma folga. Eu corri até o banheiro, passei por uma catraca que eu não fazia ideia
pra que servia, e me deparei com aquela fila de vasos separados por pequenas
paredes que iam se estendendo por toda a dimensão do recinto, para a minha
tristeza todas ocupadas. Eu fiquei ali andando como quem não quer nada,
esperando um lugar vagar, e foi ai que uma das portas se abriu, eu me virei
para visualizar qual era e corri até lá. Eu já conseguia visualizar o interior
daquela cabine antes de entrar nela, mas fui surpreendido com um “boa tarde”
pelo sujeito que saia da mesma. Eu entrei cego ali dentro e me esvaziei em
alguns segundos, só então eu pude pensar. Alguém havia me cumprimentado, e eu
simplesmente o ignorei, ‘ironia do destino’ é um belo bordão para a situação vigente,
mas eu fiquei mais preso ao significado daquilo tudo.
As
pessoas andam tão preocupadas com suas vidas que mal podem perceber o seu entorno,
essa era a realidade da cidade grande, e eu como um estranho estava vivenciando
um pouco dessa realidade. Na minha cabeça de caipira não havia como agir de tal
forma, era uma educação que estava vinculada ao caráter, mas na correria de
buscar saciar a minha vontade eu me rendi a minha própria lástima, e aquele
homem que me abordou talvez nem pertencesse àquela cidade, mas engraçado afinal,
eu estava prestes a me tornar um deles.
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