quarta-feira, 27 de maio de 2015

O encontro de pessoa nenhuma com nenhuma pessoa.




Nos conhecemos naquele dia em que eu me sentia a pior pessoa do mundo, eu sempre fui boa em me sentir assim até chegar a me autossabotar, eu estava no bar sozinha e de cabeça baixa deixei a minha tristeza passear por aquele espaço vazio. Ele se aproximou, se apresentou e ficou tempo suficiente para iniciar uma conversa profunda. Depois de alguns goles, que faziam eco ao cair dentro do meu corpo oco, ele me falou da sua família, dos seus hobbies, nomes dos quatro melhores amigos, todos animais de estimação, e de todas as suas inúmeras viagens. Ele parecia ter saído de um filme intelectual e com todo aquele intelecto conseguia fazer eu me sentir a pessoa mais especial do mundo, depois dele, claro. Eu falava o quanto estava cansada dessa vida de aparências. Ele me dizia que eu tinha uma visão negativa sobre as coisas. Eu falava do quanto perdemos tempo querendo provar o improvável para outras pessoas que, também, já estavam mortas em vida. Ele fazia caras e bocas sem entender o que eu queria dizer - ou se reconhecendo no espelho que eram as minhas palavras. Eu sentia. Seus argumentos soavam para mim como um teatro, um monólogo. Sua postura de Polyanna era apenas ele querendo se enganar, eu conheço essa fase de falar para o outro o que queremos e precisamos acreditar para continuarmos vivendo mesmo nos sentindo derramados e diluídos nesse enorme nada.

Aquele terno. Aquele português culto. Aquelas quatro línguas que ele tão bem falava. Aquele currículo assinado e recomendado por Deus. Aquele pós-doutorado. Tudo isso era desnecessário quando se tratava do que ele me fazia sentir ao lado dele. O que ele me dizia, sem palavras e sem toques, possuía uma linguagem universal. Eu sentia e pensava. Ele é só outra alma solitária junto a minha. Nosso encontro foi assim: pessoa nenhuma com nenhuma pessoa. Estávamos apenas nos enganando ao acreditar que as nossas almas solitárias não haviam se reconhecido. Ilusão. Há coisas que não precisam ser verbalizadas para existirem. 

Ele pegou o celular e começou a mostrar inúmeras fotografias sobre suas estadias mundo afora. Aqui foi em Berlim no local onde existia o muro. Aqui foi na Suíça. Esse café maravilhoso foi em Budapeste. E assim o monólogo angustiante e repressivo se seguiu. Eram locais lindos, porém o vazio do meu mais novo amigo era a única coisa gritante naqueles retratos; o vazio era a única coisa que eu reconhecia, o único local que eu também já havia estado e habitava naquele exato momento. A última foto do álbum me chamou atenção, mas ele não explicou sobre ela e foi logo guardando o celular. Perguntei em que canto do mundo aquele momento tinha sido congelado. Foi em canto nenhum, é só eu e meu cachorro na minha casa, ele disse. Que irônica é a vida, aquela foto em canto nenhum foi a única em que ele estava acompanhado de um amigo e de um sorriso. Talvez o 'canto nenhum' retrate onde ele deveria estar. Talvez seja o local de encontro com ele mesmo, mas ele não sabe, pois tanto eu quanto ele escolhemos viver onde nos sentimos mortos. 

Desviei meus pensamentos cortantes com um meio sorriso e continuamos a nossa meia conversa bebendo a nossa meia dose. Sim, continuávamos com a nossa meia vida, nossa meia existência, nosso quase nenhum amor próprio. Éramos eternos 'quase', éramos o 'talvez' das frases. A noite terminou com palavras engasgadas e com aquela sensação de que poderíamos ter feito e falado mais. Poderíamos nos salvar. A única certeza que ficou foi a de que estávamos preenchidos pela eterna dúvida de onde residia a felicidade, mas procurávamos respostas no Google acadêmico enquanto que aquela foto em canto nenhum traduzia tudo que precisávamos sentir. Amor.


***GOSTOU? Curte ai!

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