Os
dias socavam a minha cara com a velha monotonia de sempre, e o tédio escorria
pelas paredes do meu quarto frio, meus olhos vermelhos já viciados não tinham
mais vida, já fazia algum tempo que meu mundo se resumia aos deveres que eu
gostava de chamar de inúteis, como a escola e os demais encontros sociais frustrados
da minha existência. Meu refugio era a tela do computador, todos os dias, onde
encontrava a paz e saciava a minha alma sedentária.
Eu
não era um cara chato, mas eu buscava demais nas pessoas, acreditava demais,
chegava a ser utópico, imaginar que encontraria por ai pessoas padrões, pessoas
que correspondessem a cada um dos meus humor-tipos. Nessa busca insana eu só
encontrei solidão, e me frustrei a cada dia sabendo que eu não poderia esperar
nada dos indivíduos que me cercavam. A solução me pareceu um tanto quanto
masoquista, mas dilacerar a própria dor é uma maneira de se acostumar a viver
no inferno, e assim, pode-se seguir tendo em mente que nada pode se tornar pior.
Eu
criei um mundo meu, uma fantasia, um intenso quadro de pequenas sensações que me
faziam sentir bem, eu aprendi a escrever e pude aos poucos viver cada dia tudo
aquilo que sempre desejei. Um desses dias após chegar em casa eu criei um
arquivo chamado “Eu e Ramona” e eu não sei por que, mas ele me fascinou, e
desde então, nunca mais consegui fecha-lo. Como eu não me apaixonaria por
Ramona?
Ela
era perfeita, fruto da minha fantasia, tinha seus longos e lisos cabelos
ruivos, repleta de um brilho majestoso, a cor da pele branca como a neve, um
sorriso encantador, tinha as melhores curvas e em cada gesto ela era magnífica.
Ela tinha tudo o que eu sonhava, e eu me apaixonei por ela, o seu único defeito
era não ser real.
Os
dias eram mais alegres, eu acordava pensando em Ramona e sabia que ela estava
lá me esperando, vivíamos momentos mágicos e hollywoodianos a cada dia,
viajamos o mundo, conhecemos lugares que o homem jamais esteve e ela sabia me
fazer feliz em cada palavra e em cada byte de memória.
Chegou
um tempo que acreditei estar louco, mas eu me sentia bem, eu podia até estar
maluco, mas estava consciente da vida que vivia, e ela era boa, como nunca
fora.
***
Naquela
tarde cinzenta de sexta-feira eu tropiquei no pé de Gabriel no corredor da
escola, ele se virou para mim e com o braço esticado para me ajudar a levantar
começou a deixar escapar algumas dúzias de palavras. Ele era um amigo, se é que
eu tinha amigos, mas estava sempre por perto e a disposição de ajudar. Ele
finalizou as palavras com um sorriso amigável no rosto:
-Eae,
topa ou não?
Eu
tinha essa mania terrível de não ouvir as pessoas, meus pensamentos são muito
altos, mas algo no olhar lustroso dele me fez gesticular os lábios de maneira
afirmativa:
-Claro,
por que não?
***
Eu
voltei pra casa me arrependendo de aceitar, mas não podia me ausentar, minha
palavra valia alguma coisa, eu ainda fui conversar um pouco com Ramona e lhe
contei que iria sair com um amigo. Nós ainda brincamos um pouco e enfim, eu sai
de casa em rumo à praça do campinho.
Bom,
a minha história começa aqui, aquela praça tinha um ar especial naquele fim de
tarde, além da paisagem bem apresentável aos olhos eu cumprimentei alguns
desconhecidos e colei ao lado de Gabriel que sentado a um dos bancos ria e
contava piadas... Eu não me lembro de nada desse dia, só do momento que segue,
onde uma garota entrou em cena e me deu um beijo no rosto, Gabriel olhou para
mim e disse:
-Essa
daí é minha amiga de infância, Ramona.
Eu
olhei bem praquela garota, ela não parecia em nada com a minha Ramona antes que
você me pergunte, mas era estranho, coincidência? Eu não acredito nessas
coisas, mas passei o resto do dia espionando a menina, desviei os olhos só por
instante pra ver o grandioso por do sol que há tempo não lembrava como era
bonito...
“Ela
é estranha, tem um olho meio estrábico. Ela é negra, eu não gosto de negros. O
cabelo dela é todo encaracolado, seus olhos são negros, suas roupas não me
agradam, eu nem sei se ela usa um perfume bom...” E eu me pegava pensando na
garota, dormi com aquilo na cabeça e voltei a ver a minha Ramona, ela sim era
perfeita...
Aquilo
me incomodava, aquela menina não podia ter o mesmo nome, aquilo arranhava minha
cabeça até enquanto estava com a minha Ramona, por quê? Raios, quanta raiva eu
senti daquilo tudo, recusei tantos outros convites com o medo de encontrar
aquela menina de novo, mas nada me satisfazia mais, nem a minha Ramona podia me
abraçar sem que eu lembrasse que algo estava errado, e estava mesmo, eu fui
descobrir, que merda, eu fui mesmo.
Foram
várias voltas por ai e eu acabei conhecendo a tal Ramona, era uma garota legal,
coxa, mas legal. E aos poucos eu fui deixando de lado aquela coisa sinistra que
me perturbava, eu podia dormir em paz... Até o dia que troquei as Ramonas da
minha vida, elas nem perceberam, foi um elogio particular, mas aquilo me pegou
de surpresa, eu fiquei preocupado e comecei a achar que minha vida estava
cercada de mentiras, foi assim que tudo começou, começou a desabar.
***
Eu
senti dentro de mim que precisava esquecer Ramona, nós vivemos dias
maravilhosos, mas ela era o retrato da minha prisão de um mundo que não
existia, eu não queria a outra garota, nem mais nada, era apenas mais um
desapego da vida, mas seria difícil, eu realmente a amava, e continuei todos os
dias vivendo nosso amor.
Eu
abria aquele mundo na tela e ficava ali parado, olhando por horas e imaginando
como finalizar aquele imenso texto cheio de palavras baseadas na minha própria
felicidade. Era quase como encerrar uma parte da minha vida, e eu não
conseguia. Acabava por dar as mãos ao meu amor e viver mais uma boa história,
mas nem tudo se resolve assim, meus pensamentos são altos, e as marteladas só aumentavam.
***
A
decisão estava tomada, só faltava mesmo a coragem, o sábado começava a cair em
escuridão e eu somava algumas horas já plantado em frente ao monitor. Não tinha
a menor noção de como finalizar aquele arquivo, eu precisava de um final, ele
pedia por um final, a página deveria ser virada. Foram horas tentando bolar a
solução...
Eu
olhei para o relógio e simultaneamente o telefone tocou, eu atendi já com minha
frase feita de sábado a noite:
-Diga
Gabriel!
E
eu pude notar uma respiração diferente na linha, era Ramona, a minha nova
amiga, ou algo parecido. Ela estava meio embaraçada e me convidou para sair, eu
não conseguia entender a situação, ela falava ao telefone e eu olhava para a
minha Ramona, buscando o final da minha história. O telefone enfim emudeceu e
eu deduzi que era a minha vez de falar, bom, eu não sei o que falei, eu
continuei com o dedo tremendo encima do teclado buscando palavras pra acabar
aquela maldita história de amor, mas nada...
-Então,
você vai sair comigo? Só vamos nós dois, algum problema?
Eu
não sei por que, mas enxergava toda a malicia por trás das palavras da jovem de
cabelos encaracolados, ela estava dando em cima de mim, eu podia notar, mas eu
tinha algo mais importante pra resolver, e fiquei quieto por mais algum tempo e
a garota insistiu ao telefone. Eu não sei bem por que, mas naquele instante
singular, sem motivo algum eu achei o final da minha história, estava ali,
poderia não ser o melhor, mas me bastava, eu peguei o telefone e disse:
-Será
um prazer te acompanhar hoje Ramona, daqui 20 minutos passo pra te pegar.
E
então desliguei o telefone, olhei mais uma vez para o monitor, dei um leve
sorriso e fechei o arquivo, o exclui do computador, o exclui da minha vida. Ela
não era perfeita, mas na minha vida só poderia haver um final, só poderia haver
uma Ramona. A minha Ramona.
obrigado =)
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