segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Eu e Ramona.




Os dias socavam a minha cara com a velha monotonia de sempre, e o tédio escorria pelas paredes do meu quarto frio, meus olhos vermelhos já viciados não tinham mais vida, já fazia algum tempo que meu mundo se resumia aos deveres que eu gostava de chamar de inúteis, como a escola e os demais encontros sociais frustrados da minha existência. Meu refugio era a tela do computador, todos os dias, onde encontrava a paz e saciava a minha alma sedentária.
Eu não era um cara chato, mas eu buscava demais nas pessoas, acreditava demais, chegava a ser utópico, imaginar que encontraria por ai pessoas padrões, pessoas que correspondessem a cada um dos meus humor-tipos. Nessa busca insana eu só encontrei solidão, e me frustrei a cada dia sabendo que eu não poderia esperar nada dos indivíduos que me cercavam. A solução me pareceu um tanto quanto masoquista, mas dilacerar a própria dor é uma maneira de se acostumar a viver no inferno, e assim, pode-se seguir tendo em mente que nada pode se tornar pior.
Eu criei um mundo meu, uma fantasia, um intenso quadro de pequenas sensações que me faziam sentir bem, eu aprendi a escrever e pude aos poucos viver cada dia tudo aquilo que sempre desejei. Um desses dias após chegar em casa eu criei um arquivo chamado “Eu e Ramona” e eu não sei por que, mas ele me fascinou, e desde então, nunca mais consegui fecha-lo. Como eu não me apaixonaria por Ramona?
Ela era perfeita, fruto da minha fantasia, tinha seus longos e lisos cabelos ruivos, repleta de um brilho majestoso, a cor da pele branca como a neve, um sorriso encantador, tinha as melhores curvas e em cada gesto ela era magnífica. Ela tinha tudo o que eu sonhava, e eu me apaixonei por ela, o seu único defeito era não ser real.
Os dias eram mais alegres, eu acordava pensando em Ramona e sabia que ela estava lá me esperando, vivíamos momentos mágicos e hollywoodianos a cada dia, viajamos o mundo, conhecemos lugares que o homem jamais esteve e ela sabia me fazer feliz em cada palavra e em cada byte de memória.
Chegou um tempo que acreditei estar louco, mas eu me sentia bem, eu podia até estar maluco, mas estava consciente da vida que vivia, e ela era boa, como nunca fora.

***

Naquela tarde cinzenta de sexta-feira eu tropiquei no pé de Gabriel no corredor da escola, ele se virou para mim e com o braço esticado para me ajudar a levantar começou a deixar escapar algumas dúzias de palavras. Ele era um amigo, se é que eu tinha amigos, mas estava sempre por perto e a disposição de ajudar. Ele finalizou as palavras com um sorriso amigável no rosto:
-Eae, topa ou não?
Eu tinha essa mania terrível de não ouvir as pessoas, meus pensamentos são muito altos, mas algo no olhar lustroso dele me fez gesticular os lábios de maneira afirmativa:
-Claro, por que não?

***

Eu voltei pra casa me arrependendo de aceitar, mas não podia me ausentar, minha palavra valia alguma coisa, eu ainda fui conversar um pouco com Ramona e lhe contei que iria sair com um amigo. Nós ainda brincamos um pouco e enfim, eu sai de casa em rumo à praça do campinho.
Bom, a minha história começa aqui, aquela praça tinha um ar especial naquele fim de tarde, além da paisagem bem apresentável aos olhos eu cumprimentei alguns desconhecidos e colei ao lado de Gabriel que sentado a um dos bancos ria e contava piadas... Eu não me lembro de nada desse dia, só do momento que segue, onde uma garota entrou em cena e me deu um beijo no rosto, Gabriel olhou para mim e disse:
-Essa daí é minha amiga de infância, Ramona.
Eu olhei bem praquela garota, ela não parecia em nada com a minha Ramona antes que você me pergunte, mas era estranho, coincidência? Eu não acredito nessas coisas, mas passei o resto do dia espionando a menina, desviei os olhos só por instante pra ver o grandioso por do sol que há tempo não lembrava como era bonito...
“Ela é estranha, tem um olho meio estrábico. Ela é negra, eu não gosto de negros. O cabelo dela é todo encaracolado, seus olhos são negros, suas roupas não me agradam, eu nem sei se ela usa um perfume bom...” E eu me pegava pensando na garota, dormi com aquilo na cabeça e voltei a ver a minha Ramona, ela sim era perfeita...
Aquilo me incomodava, aquela menina não podia ter o mesmo nome, aquilo arranhava minha cabeça até enquanto estava com a minha Ramona, por quê? Raios, quanta raiva eu senti daquilo tudo, recusei tantos outros convites com o medo de encontrar aquela menina de novo, mas nada me satisfazia mais, nem a minha Ramona podia me abraçar sem que eu lembrasse que algo estava errado, e estava mesmo, eu fui descobrir, que merda, eu fui mesmo.
Foram várias voltas por ai e eu acabei conhecendo a tal Ramona, era uma garota legal, coxa, mas legal. E aos poucos eu fui deixando de lado aquela coisa sinistra que me perturbava, eu podia dormir em paz... Até o dia que troquei as Ramonas da minha vida, elas nem perceberam, foi um elogio particular, mas aquilo me pegou de surpresa, eu fiquei preocupado e comecei a achar que minha vida estava cercada de mentiras, foi assim que tudo começou, começou a desabar.

***

Eu senti dentro de mim que precisava esquecer Ramona, nós vivemos dias maravilhosos, mas ela era o retrato da minha prisão de um mundo que não existia, eu não queria a outra garota, nem mais nada, era apenas mais um desapego da vida, mas seria difícil, eu realmente a amava, e continuei todos os dias vivendo nosso amor.
Eu abria aquele mundo na tela e ficava ali parado, olhando por horas e imaginando como finalizar aquele imenso texto cheio de palavras baseadas na minha própria felicidade. Era quase como encerrar uma parte da minha vida, e eu não conseguia. Acabava por dar as mãos ao meu amor e viver mais uma boa história, mas nem tudo se resolve assim, meus pensamentos são altos, e as marteladas só aumentavam.

***

A decisão estava tomada, só faltava mesmo a coragem, o sábado começava a cair em escuridão e eu somava algumas horas já plantado em frente ao monitor. Não tinha a menor noção de como finalizar aquele arquivo, eu precisava de um final, ele pedia por um final, a página deveria ser virada. Foram horas tentando bolar a solução...
Eu olhei para o relógio e simultaneamente o telefone tocou, eu atendi já com minha frase feita de sábado a noite:
-Diga Gabriel!
E eu pude notar uma respiração diferente na linha, era Ramona, a minha nova amiga, ou algo parecido. Ela estava meio embaraçada e me convidou para sair, eu não conseguia entender a situação, ela falava ao telefone e eu olhava para a minha Ramona, buscando o final da minha história. O telefone enfim emudeceu e eu deduzi que era a minha vez de falar, bom, eu não sei o que falei, eu continuei com o dedo tremendo encima do teclado buscando palavras pra acabar aquela maldita história de amor, mas nada...
-Então, você vai sair comigo? Só vamos nós dois, algum problema?
Eu não sei por que, mas enxergava toda a malicia por trás das palavras da jovem de cabelos encaracolados, ela estava dando em cima de mim, eu podia notar, mas eu tinha algo mais importante pra resolver, e fiquei quieto por mais algum tempo e a garota insistiu ao telefone. Eu não sei bem por que, mas naquele instante singular, sem motivo algum eu achei o final da minha história, estava ali, poderia não ser o melhor, mas me bastava, eu peguei o telefone e disse:
-Será um prazer te acompanhar hoje Ramona, daqui 20 minutos passo pra te pegar.
E então desliguei o telefone, olhei mais uma vez para o monitor, dei um leve sorriso e fechei o arquivo, o exclui do computador, o exclui da minha vida. Ela não era perfeita, mas na minha vida só poderia haver um final, só poderia haver uma Ramona. A minha Ramona.

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