terça-feira, 23 de julho de 2013

Lembranças de Elliot.




As venezianas fizeram um movimento ondulatório com a brisa que entrava pela face leste daquela modesta e bem acabada casa de madeira. O vento foi seguido por um baque forte no chão, e uma enorme quantidade de pedaços de porcelana se espalharam abstratamente pelos cantos da enorme sala com lareira:

-Mas que diabos... Elliot é você?

As palavras ecoaram pela casa vazia e o silêncio seguiu-se por longos minutos, até que uma estridente onomatopeia rompe o clima mórbido daquela noite fria. Daniel ouve a campainha e imediatamente abre a porta, sem hesitar abre um sorriso e pega em duas mãos brancas que logo lhe respondem com um brilho de olhos azuis como o céu.

O sorriso logo se metamorfiza em uma cara misteriosa e curiosa:

-Meu Deus Daniel, o que aconteceu ali?

E Clarisse aponta o dedo indicador para a enorme sala minada de cacos.

-Não tenho certeza, era um vazo, talvez tenha sido o vento, ou quem sabe Elliot o deve ter derrubado.

A menina pisca em silêncio e começa a balbuciar:

-Mas quem é esse tal... Ah, entendi.

E ela sorri vendo um enorme gato preto a observando por debaixo da mesinha de telefone da sala, com os enormes olhos verdes, arregalados, buscando reconhecimento do local. Ela se aproxima amigavelmente, mas o gato mais do que depressa desaparece casa adentro.

-Ele é meio tímido. – Diz Daniel sorrindo.

Eles sentam no sofá e Daniel liga sua TV em um filme romântico qualquer, ele traz da cozinha alguns pratos e coloca sobre a mesa da sala, em seguida trás alguns talheres e velas, na terceira viagem ele vem com uma garrafa de vinho e apaga as luzes ao passar pelo interruptor.

-Uma bela noite pra se passar ao seu lado, só me desculpe por isso. – e aponta os cacos de porcelana ainda no chão.

A garota sorri e diz que não importa, um longo beijo se segue e eles comem o jantar amavelmente enquanto assistem ao filme. Ele pausa o seu DVD no meio do filme e olha para Clarisse.

-Eu queria lhe dar isto! – e entrega um pequeno embrulho nas mãos frágeis dela.

Antes que ela possa abrir ele se atropela em palavras:

-São alianças, eu quero me casar com você, quero passar o resto da vida ao seu lado, quero ser seu raio de sol todas as manhãs. Já passou do tempo de a gente ter uma vida a dois...

As lágrimas suavemente descem pelo rosto dela, e ao mesmo tempo ela leva a mão ao peito para entrar em sincronia com os batimentos do seu coração, e com a resposta feita ela retruca sem receio algum:

-Mas é claro que eu aceito, meu amor!

E eles se beijam ternamente, até que caem no tapete e começam a se apertar com desejo, e logo as roupas começam a se espalhar como os cacos pela sala, e aqueles dois corpos se encontram em um só desejo e prazer. Com os olhos fixos uns nos outros, eles dançam pelo chão até a última gota de energia.

Ainda em cima dela, Daniel dá um sorriso de canto de boca e lhe beija na testa, ele se afasta e rola para o lado, e neste momento o grito ecoa estridente pela casa inteira. Clarisse prende o fôlego! Enquanto isso Elliot observa a cena de cima do armário da cozinha.

-Que merda! – Exclama Daniel ao levar as mãos as costas e notar o sangue tingindo o carpete branco.



Clarisse tira um pedaço de porcelana das costas do seu futuro marido e lhe faz um curativo após um longo banho quente.

Enquanto Daniel organiza a cozinha Clarisse recolhe os pedaços do vazo de porcelana da sala, e longos minutos se passam em silêncio aquela noite, até que ele volta e a encontra pensativa na sala, ela mal percebe sua aproximação e toma um leve susto.

-O que foi querida?

-Você sabe...

-Não, não sei. Foi o que aconteceu? Por que eu...

-Não! Não é isso. É que... – ela mordisca o canto da boca.

- Sou todo ouvidos – diz ele com a paciência do mundo.

-Você sabe que eu já fui casada – e ela faz uma pausa como se recordando um passado horrível – e você sabe que ele nunca assinou o divórcio, não podemos casar assim, por Deus Daniel, eu amo você, eu quero tanto, fazem tantos anos que estamos juntos, cedo ou tarde isso viria me assombrar de novo e eu...

-Querida, querida! – ele a segura, forçando ela a se conter e prestar atenção nele – Isso não será um problema.

-Mas você não o conhece, ele ainda me atormenta e...

-Querida! Por Deus, me escute. Ele já assinou.

-Ele o que? Como? – A expressão assustada de Clarisse diverte Daniel.

-Eu fui até ele e o convenci a assinar, e também me assegurei que ele jamais volte a ligar ou te incomodar.

-Mas... Mas como? Ele é impossível!

-Não importa, está feito e vamos nos casar.

Ela não consegue acreditar, o abraça impulsivamente o resto da noite.

O sol raia ao leste e Elliot está esticado se esquentando no beiral da janela, Daniel se levanta e cumprimenta o bichano, que começa a segui-lo até a cozinha, onde ambos comem seus cafés da manhã.


-Você é o único que me conhece de verdade, sabe? – vai dizendo Daniel ao gato.

-Você é o único que pode compreender tudo isso, eles não tem esse seu senso de saber lidar com esse tipo de situação.

-Meow! – responde Elliot encarando Daniel com seus fixos olhos verdes.

-Apenas você é capaz, só você, vamos lá, temos serviço hoje. – E Daniel sai pela porta da cozinha ao quintal apreciando aquele dia ensolarado.

Elliot acompanha seu dono até chegar a um abrigo antibombas onde Daniel destranca o cadeado e desce ao subterrâneo.

Um lugar escuro e sombrio se revela a pouca luz, um mau cheiro contamina o ambiente e ratos podem ser ouvidos trafegando por ali. Elliot corre à frente de Daniel para caçar os camundongos e se embrenha na escuridão. Logo uma voz surge:

-Por favor, me deixe ir...

E uma luz forte se acende. Um calabouço então é revelado, e ali naquela imensa sala suja e mofada um homem se estende amarrado em uma mesa metálica. Daniel se aproxima dele e verifica as feridas em seu corpo já infeccionadas e esteticamente horríveis.

-Eu queria lhe agradecer pela assinatura, devo admitir que sua ex mulher ficou extremamente contente com ela.

O homem na mesa lacrimeja e balbucia algumas palavras com dificuldade:

-Ela não merece isso, deixa-a em paz.

Daniel sorri e diz em tom de deboche:

-Quem batia nela era o senhor, estou enganado? Você ficaria surpreso de ver como nosso relacionamento é saudável.

O homem se contorce tentando se desvencilhar das cordas:

-Nada é saudável relacionado a você, você é um monstro, eu sei o que você é, eu vi você matando aquelas pessoas. Posso ter errado, mas eu paguei por isso, perdi a mulher que amava pras drogas, mas me recompus, pedi perdão e aprendi a viver como um homem decente. Agora você, você é repugnante, você...

Daniel se aproxima e tampa a boca do homem calmamente, se aproxima vagarosamente do rosto dele e diz em sussurros:

-Não se esqueça de que você é meu prisioneiro, você não gostaria de me irritar certo? – E sorri para o homem.

-Você já conseguiu o que queria, me liberte, eu prometo que não direi nada a ninguém! – O homem fala de olhos fechados contendo o medo em suas lágrimas.

Daniel se aproxima brincando com uma faca de churrasco afiada nas mãos e diz:

-Quem diria. O homem ranzinza que me ameaçou de morte quando apareci na sua porta. Você faz parte das pessoas que merecem transcender deste mundo, você representa o lado negro da sociedade, além do mais, você acha mesmo que deixaria você livre por ai com o meu segredo? Não seja tolo. – E Daniel deixa a mão ser levada pela gravidade, em uma trajetória vertical e retilínea que atinge o coração do homem. O sangue cobre a mesa e respinga no chão, formando uma poça e escorrendo pelo chão, até atingir um rato morto, onde Elliot está parado.

-Terminamos por hoje? – Indaga Daniel sorrindo ao bichano.

 Naquela noite Clarisse se debruça ao beiral da janela e Daniel a abraça por trás olhando para o céu estrelado. Ela se vira para ele e diz:

  -Eu quero lhe agradecer, de verdade, eu nunca imaginei que fosse conseguir de novo.

  -Do que você está falando? – Questiona ele.

 -Do meu passado, sabe, depois que eu terminei com meu marido eu imaginei que jamais encontraria alguém, achei que eu estivesse quebrada, ou coisa do tipo, como um imã, que só atraísse pessoas ruins, eu sofri muito, achei que nunca encontraria alguém tão gentil e amoroso como você.

   Daniel sorri para a moça dos olhos azuis e passa a mão pelos seus cabelos:

  -Imagina, é apenas o que seus olhos dizem.

   Ela de repente repara uma movimentação e nota Elliot em cima da cama.
  -Estou curiosa, há tantos anos juntos, eu nunca soube que você tinha um gato, o que mais você anda escondendo de mim? – diz ela em tom de brincadeira.
 -Elliot é meu companheiro, ele gosta de estar sempre escondido, camuflado na escuridão, eu o deixo passar a despercebido das pessoas, é meio que um acordo nosso.

  -Você fala como se o gato fosse um agente secreto – Ela diz rindo.

  -E você nem imagina quão secreto. – Diz ele entreolhando para Elliot, que escondido na escuridão só deixa o brilho dos seus olhos verdes a amostra. – Mas venha comigo que eu tenho uma surpresa pra você.

   Daniel pegou a mão da moça e a levou para dentro até a beirada da cama. Ele a beijou carinhosamente e logo depois a empurrou com força na cama. Subiu em cima dela e a vendou com a gravata vermelha jogada em cima do edredom. Enquanto segurava seus braços pegou uma corda e algemas que estavam debaixo da cama. Clarisse observava quieta e impressionada enquanto ele a amarrava na cama. Ele tirou a roupa dela e pegou algum objeto frio e o deslizou pelo seu corpo quente. Ela sentiu um arrepio excitante lhe tomar o corpo e então ele quebrou o silêncio lhe confessando aos ouvidos:

     -Hoje eu vou lhe matar, Clarisse!

    E ela inclinou a cabeça em sua direção, tentando chegar o mais próximo que fosse possível dos seus ouvidos, e disse:
     -Eu acho bom mesmo! – E gargalhando continuou – É até engraçado ver você tentando fazer o papel de garoto malvado.

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