segunda-feira, 24 de abril de 2017

Apenas acene se puder me ouvir


Comfortably Numb - Pink Floyd

As nuvens fechavam o céu estrelado e davam espaço para a escuridão. Gradualmente a chuva despencava em gotas cada vez maiores, e os telhados faziam a sinfonia da solidão. Os trovões ecoavam por longos segundos e os raios sequer eram vistos. Dentro daqueles dez metros quadrados ele sentia o clima se alinhando com seu corpo, que já exausto fica estirado no meio da cama. Olhou o teto, era branco, podia jurar que aquela rachadura não existia ali até, sei lá, sempre. Pensou em quantas chances teve de ver aquela rachadura abrindo e tomando conta do teto todo, mas não, nunca viu. Agora estava ali de braços abertos, esperando que o teto caísse sobre ele. Não caia, não existe nada ruim o suficiente que não se possa piorar, e por isso o silêncio só se piorava com mais silêncio. Puxou com as mãos a última dúzia de fios que faltavam arrancar da sua barba, pequenas dores o faziam sentir vivo. As unhas acabaram, o dedo maior já sangrava, olhava se perguntando quanto tempo levaria para crescer de novo, para que pudesse comer de novo, a conclusão é que faltariam dedos afinal. Começou a puxar os fios da sobrancelha, doíam mais, descobriu um doce novo prazer. Levantou sem por que algum, rodeou o quarto, abriu todas as gavetas, vasculhou todos os livros, revirou todas as tralhas. Nenhuma novidade, eram as mesmas de sempre, 5, 10, 20 anos ali. Sua mente era boa demais para que se surpreendesse com algo que por algum acaso tivesse esquecido que existisse ali. Sentou na cadeira, tirou a roupa, tentou ficar parado, mas as pernas balançavam como dois terremotos dissonantes. O coração de repente acelerou, sem qualquer razão, e começou a bater em sincronia com as pernas, a respiração descompassou e quase perdeu o folego. A cabeça o levou para um futuro horrível, pensou no passado, se sentiu mal também. Ficou vivendo um passado que gostaria de ter escrito e um futuro que jamais existiria por horas, até que o suor frio encharcou todos os pelos ainda restantes no seu corpo. Estendeu a mão para a cartela de calmantes e tomou mais dois, mesmo sabendo que já havia se drogado o suficiente. A noite ia descendo com pingos na janela, e do outro lado silêncio, fora daquele quarto apenas vazio. Que música ouvir em situações como essa? Não conhecia nenhuma. Assistir qualquer coisa lhe dava angústia só de pensar em ter que prestar atenção. Tentou escrever alguma coisa, mas não tinha a menor força e vontade de sequer criar parágrafos, soou depressivo demais até mesmo pros seus padrões. Chorou... Duas, três vezes. Soluçou tão forte que teve de se agachar, deitou no chão gelado e sentiu a pulsação das veias encostadas no piso. Os olhos inchados já não enxergavam as rachaduras no teto. Levantou sem a menor pressa, a hora não passava de jeito algum. Imaginou onde estariam as pessoas, o que elas estariam vivendo, fazendo... Tentou piamente se interessar por qualquer coisa, era falho. A escuridão lhe abraçava de volta naquela noite fria. Não tinha costume de dormir cedo, mas fez toda a força que pode, a dor era muito grande para ficar ali parado, existindo... Acordou no mesmo dia, e viveu tudo de novo, mais outra e outra vez... Quando percebeu o que mais queria era dormir o quanto antes fosse possível, e acordar o mais tarde que pudesse. Parecia uma excelente ideia dormir, e dormir... Quem sabe a dor vá embora, quem sabe exista um jeito de não ter mais pesadelos... Respirou fundo em frustração, covarde! Acendeu as luzes e voltou para a cama, o mundo precisava de alguma forma que ele ficasse acordado, sentindo... A rachadura continuava lá, entediante e cada vez menos interessante .

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