Você mal havia aterrissado por aqui, seu perfume ainda
nem tinha estagnado na minha roupa de cama, suas roupas sequer se acomodaram no
meu guarda roupas, e tão logo você se foi. Acordei no dia seguinte leve, há
tempos não dormia tão bem. Parecia-me um sonho. O choque foi tamanho que eu me
recusava a acreditar, meu corpo se negava a ficar tão decepcionado. Olhei no
relógio e as horas passavam batidas enquanto eu caminhava em círculos pela sala
de estar. Você não voltou, era verdade então, a ficha foi caindo lentamente,
como a última folha de outono flutuando até encontrar a grama verde do fim do
verão. Parei por um segundo, não havia mais unhas para roer, o corpo de repente
pesou, deitei no sofá da sala e escondi minha cabeça em meio às almofadas.
Chorei por três horas.
Achei seu celular anotado num
guardanapo que eu havia guardado de quando nos conhecemos, ele foi se
desfazendo devagarzinho, conforme as lágrimas desciam do meu rosto inchado de
derrota. Não tive coragem de jogar fora a nossa foto no parque, sorrindo como
duas crianças livres de preocupações, inocentes e puras, com o coração
totalmente intacto, com a maquiagem perfeita para cobrir os retalhos que o amor
deixa para trás quando perdemos parte de nós. Virei a foto ao contrário, por
hora era o suficiente! Tropecei num salto alto jogado no meio do corredor.
Sentei ali no chão e fiquei pensativo, o que eu devia ter feito de tão ruim para
que você sumisse da minha vida sem se quer levar seu sapato consigo. Esperei o
mês inteiro na expectativa que você me mandasse uma mensagem dizendo que
buscaria seu salto na minha casa, apenas para poder te ver pela última vez, e me
certificar pelos seus olhos que aquilo realmente estava acontecendo. Mas você
não ligou, o salto ficou empoeirado, e enfim achei seu perfume em alguma camisa
minha que você usava de pijama, me custaram três dias a coragem de joga-la no
cesto de roupas sujas.
Tínhamos aquele suave encaixe
romântico, como poesia de Drummond e música de Chico. Aquela aquarela de
sentimentos vibrantes em tons de alegria. Era uma obra de arte de Da Vinci que
se via e sentia ao mesmo tempo, que se ouvia e se tocava em acordes maiores e
bemóis. Eu te tirei para dançar enquanto a rádio tocava um clássico italiano e
você deu risada. Bailamos pela cozinha enquanto o forno apitava a pizza pronta.
Nossos olhos eram fixos e incontestáveis de paixão. Não me lembro da última vez
que me senti assim, era a o amor sendo pintado sem tintas, era mágica sendo
feita sem truques, era prosa sendo contada em silêncio. “Eu te amo!” e seus
olhos vacilaram, o sorriso amarelou, e o silêncio em seguida já não era tão
bonito. Muito cedo, eu sei! Mas qual o tempo dos corações? Me pergunto se
realmente palavras sinceras são capazes
de estragar um conto de amor.
No espelho eu já era um livro de
histórias de amor. Tinha dezenas de aventuras em cada página da minha vida.
Podia sentar numa mesa de bar e virar a madrugada destilando meus feitos e
desfeitos no amor. Não tinha mais idade para chorar tanto, para sofrer por amores
efêmeros, me sentia envergonhado de me deixar abater pelo mesmo motivo depois
de tanta bordoada que a vida me deu. Eu acordei no domingo com a campainha
tocando, era cedo e eu definitivamente não iria atender. Mas dessa vez eu já me
sentia bem. Levantei radiante, afinal as dores passam, era muito bem sabido por
mim que o tempo era tão mágico para curar quanto o amor era para iludir. Era
hora de sorrir de novo, a vida continuava bela sem você
.
Abri a porta e lá estava você, com um sorriso amarelo,
os olhos de cão de adoção e um saco de pão francês nos braços. O silêncio
perdurou por alguns instantes, então você sem permissão alguma entrou pela
porta, pôs o saco de pão na mesa “você gosta deles frescos pela manhã certo?”
disse sem olhar para mim, indo até o quarto. Eu continuei em silêncio sem saber
como reagir àquela cena. Você voltou com seu salto nas mãos “sabia que tava
aqui, você nem pra dar uma limpada, olha que nojo isso daqui!” Eu parei na sua
frente e segurei você indagando o que você pensava que estava fazendo ali.
Lembro perfeitamente que você desmontou suas defesas naquele instante e me
olhou nos olhos com aquele ar de remorso. “Eu te amo!” e abaixou a cabeça.
“Como assim me ama? Você sumiu por três meses!” E você me beijou antes que eu
tivesse um acesso de raiva. “Precisei digerir tudo isso, aceitar partes de mim
que eu ainda não sabia lidar. Peço desculpas pelo sumiço, mas fico feliz de ter
chego a tempo, ainda mais feliz por te ver tão bem, mesmo depois de tudo”. E eu
perguntei o que fazia você achar que ainda havia tempo, que eu ainda estava
disposto a tê-la comigo, que eu ainda sentia amor por você.
Você me disse “Escute a música!” e o silêncio balizava
os quatro cantos da casa, você pegou as minhas mãos e começamos a dançar ali, era
incrível como conseguíamos nos sincronizar naquela canção que tocava apenas
dentro de nós. Acabamos sem roupa na minha cama, acabamos juntos nas nossas
vidas.
Tem uma lágrima no meu olho!
ResponderExcluirQue lindo!