segunda-feira, 6 de junho de 2016

Fomos demais para apenas um amor de outono







Você mal havia aterrissado por aqui, seu perfume ainda nem tinha estagnado na minha roupa de cama, suas roupas sequer se acomodaram no meu guarda roupas, e tão logo você se foi. Acordei no dia seguinte leve, há tempos não dormia tão bem. Parecia-me um sonho. O choque foi tamanho que eu me recusava a acreditar, meu corpo se negava a ficar tão decepcionado. Olhei no relógio e as horas passavam batidas enquanto eu caminhava em círculos pela sala de estar. Você não voltou, era verdade então, a ficha foi caindo lentamente, como a última folha de outono flutuando até encontrar a grama verde do fim do verão. Parei por um segundo, não havia mais unhas para roer, o corpo de repente pesou, deitei no sofá da sala e escondi minha cabeça em meio às almofadas. Chorei por três horas.

            Achei seu celular anotado num guardanapo que eu havia guardado de quando nos conhecemos, ele foi se desfazendo devagarzinho, conforme as lágrimas desciam do meu rosto inchado de derrota. Não tive coragem de jogar fora a nossa foto no parque, sorrindo como duas crianças livres de preocupações, inocentes e puras, com o coração totalmente intacto, com a maquiagem perfeita para cobrir os retalhos que o amor deixa para trás quando perdemos parte de nós. Virei a foto ao contrário, por hora era o suficiente! Tropecei num salto alto jogado no meio do corredor. Sentei ali no chão e fiquei pensativo, o que eu devia ter feito de tão ruim para que você sumisse da minha vida sem se quer levar seu sapato consigo. Esperei o mês inteiro na expectativa que você me mandasse uma mensagem dizendo que buscaria seu salto na minha casa, apenas para poder te ver pela última vez, e me certificar pelos seus olhos que aquilo realmente estava acontecendo. Mas você não ligou, o salto ficou empoeirado, e enfim achei seu perfume em alguma camisa minha que você usava de pijama, me custaram três dias a coragem de joga-la no cesto de roupas sujas.

            Tínhamos aquele suave encaixe romântico, como poesia de Drummond e música de Chico. Aquela aquarela de sentimentos vibrantes em tons de alegria. Era uma obra de arte de Da Vinci que se via e sentia ao mesmo tempo, que se ouvia e se tocava em acordes maiores e bemóis. Eu te tirei para dançar enquanto a rádio tocava um clássico italiano e você deu risada. Bailamos pela cozinha enquanto o forno apitava a pizza pronta. Nossos olhos eram fixos e incontestáveis de paixão. Não me lembro da última vez que me senti assim, era a o amor sendo pintado sem tintas, era mágica sendo feita sem truques, era prosa sendo contada em silêncio. “Eu te amo!” e seus olhos vacilaram, o sorriso amarelou, e o silêncio em seguida já não era tão bonito. Muito cedo, eu sei! Mas qual o tempo dos corações? Me pergunto se realmente  palavras sinceras são capazes de estragar um conto de amor.

            No espelho eu já era um livro de histórias de amor. Tinha dezenas de aventuras em cada página da minha vida. Podia sentar numa mesa de bar e virar a madrugada destilando meus feitos e desfeitos no amor. Não tinha mais idade para chorar tanto, para sofrer por amores efêmeros, me sentia envergonhado de me deixar abater pelo mesmo motivo depois de tanta bordoada que a vida me deu. Eu acordei no domingo com a campainha tocando, era cedo e eu definitivamente não iria atender. Mas dessa vez eu já me sentia bem. Levantei radiante, afinal as dores passam, era muito bem sabido por mim que o tempo era tão mágico para curar quanto o amor era para iludir. Era hora de sorrir de novo, a vida continuava bela sem você
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Abri a porta e lá estava você, com um sorriso amarelo, os olhos de cão de adoção e um saco de pão francês nos braços. O silêncio perdurou por alguns instantes, então você sem permissão alguma entrou pela porta, pôs o saco de pão na mesa “você gosta deles frescos pela manhã certo?” disse sem olhar para mim, indo até o quarto. Eu continuei em silêncio sem saber como reagir àquela cena. Você voltou com seu salto nas mãos “sabia que tava aqui, você nem pra dar uma limpada, olha que nojo isso daqui!” Eu parei na sua frente e segurei você indagando o que você pensava que estava fazendo ali. Lembro perfeitamente que você desmontou suas defesas naquele instante e me olhou nos olhos com aquele ar de remorso. “Eu te amo!” e abaixou a cabeça. “Como assim me ama? Você sumiu por três meses!” E você me beijou antes que eu tivesse um acesso de raiva. “Precisei digerir tudo isso, aceitar partes de mim que eu ainda não sabia lidar. Peço desculpas pelo sumiço, mas fico feliz de ter chego a tempo, ainda mais feliz por te ver tão bem, mesmo depois de tudo”. E eu perguntei o que fazia você achar que ainda havia tempo, que eu ainda estava disposto a tê-la comigo, que eu ainda sentia amor por você. 

Você me disse “Escute a música!” e o silêncio balizava os quatro cantos da casa, você pegou as minhas mãos e começamos a dançar ali, era incrível como conseguíamos nos sincronizar naquela canção que tocava apenas dentro de nós. Acabamos sem roupa na minha cama, acabamos juntos nas nossas vidas.
           

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