quarta-feira, 9 de abril de 2014

Chuva de Sangue.



          O sol radiava no topo do céu azul e as grandes nuvens brancas formavam desenhos suaves que caminhavam ao vento sem pressa. As árvores cintilavam a brisa de outono e algumas folhas se desprendiam voando sem direção para qualquer lugar que fosse longe o bastante. O sol foi tampado por uma grande nuvem negra que chegou de repente feito disco voador e escureceu o imenso azul no horizonte, as gotas começaram a cair e rapidamente tornaram aquele belo dia em uma tempestade terrível.
            Ele estava sentado na varanda sentindo o peito fechado, aquela sensação de que iria enfartar a qualquer segundo, mas sabia que era apenas uma sensação ruim, além do mais, daria tudo por algumas horas inconsciente. Não encontrava no mundo o seu lugar, parecia fraco, perdido, desorientado. O tempo havia passado e cada vez mais se sentia fora do lugar, um extraterrestre, perdido em uma realidade que lhe dava angústia. Não sabia como viver ali, não sabia como conversar com aquelas pessoas. Tinha sempre a impressão que tudo que fazia era ignorado ou desqualificado, as pessoas eram ingratas, rudes e sem cultura alguma.
            Seus modos começaram a criar um buraco ali, onde seus sentimentos sucumbiam a uma dor infindável de solidão, carência, egoísmo e cinismo. Era de um ódio sem fim observar como o destino agia de forma peculiar e parecia agredir quase que fisicamente as páginas da sua vida. Era uma surra diária de decepções, ilusões e lições que pareciam vir apenas por mal, apenas para formar uma camada dura e impenetrável de rancor, sem absolutamente nenhuma gota de evolução.
            Olhava nos olhos de quem julgava amar, diversas vezes, e só herdava o prazer de um sorriso amarelo pela metade, enquanto sonhava com um mundo melhor, um lugar tranquilo, uma ilha deserta. Lá fora as bombas explodiam o mundo, tingiam de sangue o céu e seu coração estilhaçado em pedaços já se recusava a bater para um novo alguém. Quantas vezes teve que olhar pela janela e ver o adeus sem volta de tantas e tantas almas que cruzavam seu caminho solene ao longo dos anos.
             Prendia-se a hipótese de que tudo era um treinamento para o melhor que estaria por vir, mas sabia que mentia pra si mesmo, negando a derrota já evidente. Seus cabelos caíram, suas olheiras aumentaram, seu caráter sucumbiu à arrogância. E dentro dos teus olhos a experiência e a dor, que engaiolada ali poderia explodir nuclearmente todas as almas ao redor. Guardou consigo o nojo e repudio da sociedade, das pessoas que lhe fizeram mal, de todas aquelas que lhe deram as costas e apareceram só quando precisavam.
            Tinha a impressão de que o amor era alegoria literária feita por Camões e Drummond para ninar ilusões de criança, feito Deus que sumia quando chamava e lhe negava a fé que um dia já havia considerado como opção de emergência. Era cego o desejo de encontrar alguém que pudesse entender sua tão singular imperfeição, parecia ceder mais ao mundo conforme perdia o brilho nos olhos pelas pessoas, ninguém tinha amor, ninguém queria amar, o mundo era podre como seus pensamentos mais escuros, e ele tinha medo.
            Quando soube que a chuva vinha, olhou para o céu e sorriu para disfarçar a melancolia de um coração dilacerado, soltou um suspiro derrotado ao vento e sentiu as gotas geladas batendo no seu rosto. Lembrou por um instante quando acreditou que poderia contar com alguém quando estivesse deprimido, e a inocência era doce na sua essência mais bela, no entanto, era tarde, ele sabia que tinha começado com os passos errados. O mundo era cheio de armadilhas e nuances secretos, ele tinha o azar de tropeçar em todos eles.
            Continuou ali em pé, fazendo uma releitura triste dos seus sonhos, ilusões e tudo que havia construído para sua vida. Nada havia se concretizado, não era falta de perspectiva, não era falta de perseverança, não era falta de Deus, não era falta de acreditar. Era única e exclusivamente a falta de amor. Retirava-lhe a alma de dentro do peito e o tornava tão vazio quanto sua mente em cima daquele enorme prédio. Um raio caiu acompanhado de um estrondo altíssimo, e enquanto todos olhavam e ouviam a luz branca a leste, um tiro ecoava surdo no topo do prédio e um corpo se espatifava na calçada. O sangue misturava as gotas de chuva e levava pelo meio fio as emoções e as dores daquele coração apodrecido, estava enfim livre. As pessoas corriam para casa, a chuva era forte e ninguém queria se molhar.

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