O Sr.
Benson passava dias e dias vigiando aquele galpão. Acordava cedo, tomava um chá
gelado com biscoitos, só o bastante para enganar seu velho estômago, colocava
seu uniforme de vigia e atravessava a rua, chegando naquele imenso galpão.
Sim, ele
morava do lado do trabalho e não, ele não gostava daquilo. Apesar de ter
sessenta e poucos anos, gostaria de pegar o ônibus, andar pela cidade, ver
pessoas, ouvir vozes e sentir cheiros, porém tudo o que fazia era atravessar
uma rua esburacada. Ia de casa para o emprego, do emprego para a casa e não
saia do lugar. Não que fizesse muita diferença, pois em casa assistia televisão
e no trabalho, também.
Na
realidade ele não entendia muito bem o porquê de estar vigiando aquele imenso e
vazio armazém. As paredes tinham os rebocos rachados, o piso do chão já havia
se soltado há muito tempo e havia teias de aranha por toda parte. E não eram
aranhas comuns, eram daquelas bem grandes, tão grandes que parecia ter alguém
dando de comer a elas. Além disso, Sr. Benson era o único guarda por ali.
Aquele
armazém erguia-se por de trás das pequeninas casas da vizinhança, como se fosse
um imenso monstro de cimento que a qualquer hora iria engolir todos. Mas não
havia nada lá, nenhuma entrega, nenhum estoque, entregador, fiscal, pacote,
nada. Apenas uma porta imensa de ferro, a qual Sr. Benson nunca abria. Há pelo
menos sete anos ele apenas se sentava em sua pequena guarita, bebericava café o
dia inteiro e ia para casa, sentar-se em seu sofá velhinho, mas confortável e
depois dormir sozinho em sua cama.
Qualquer
coisa além disso era uma aventura para ele. Não que ele não gostasse das
aventuras, pois adorava mesmo qualquer mudança na sua rotina, porém já estava
velho e a osteoporose não o deixava viver como queria. Tinha uma mente jovem em
um corpo velho, queria mais do que aquele emprego mixuruca, mas infelizmente
era o que tinha. Ou felizmente, porque seu salário de guarda o ajudava a
comprar suas coisinhas, o que sua ínfima aposentaria não permitia.
Há alguns
anos um homem misterioso batera na porta da sua casa, convidando-o para ser o
guarda daquele armazém. De início o velho rabugento deu com a porta nas fuças do
safado, mas o homem insistiu e insistiu e insistiu, até que o Sr. Benson não
teve outra alternativa senão aceitar o emprego. O salário era bom, bom até
demais, por isso o velho perguntou ao homem o que guardava aquele lugar (o que
era um mistério para o povo daquela vizinhança). Desconfiado que só ele, Sr.
Benson quis ver tudo, tintim por tintim.
O homem
misterioso riu e abriu a imensa porta de ferro, revelando um galpão sem nada
dentro.
- Mas não há nada aí dentro - disse Sr. Benson, irritado com
aquele disparate - Está vazio.
- Há uma diferença enorme entre não haver nenhum objeto e
estar vazio - disse o homem.
O velho
desconfiou, mas aceitou o emprego, pois de qualquer forma, era um ótimo salário
e ele não precisava fazer nada. E foi exatamente o que aconteceu, nada. Em
todos os anos em que trabalhou ali, nunca viu nenhuma mudança. Apesar da
desconfiança dos seus vizinhos, que diziam que aquele era um lugar assombrado,
cheio de demônios, gnomos e outras coisas, ele nunca saiu do emprego. Nunca
mais viu o homem misterioso, mas o dinheiro caía religiosamente todo dia
primeiro em sua conta no banco, o que o deixava mais do que satisfeito.
Um dia
porém tudo mudou. Tudo. E essa é a história que iremos contar aqui. Não há nada
de dragões, perigos imensos, casas voadoras e monstros, não, apenas a vida de
um velho. Mas daí você deve estar se perguntando, leitor, por que diabos vou
ler isso? Ora, não seja tolo, uma boa história não tem que ter dragões, pois
não são os dragões que fazem as histórias, mas sim os heróis que decidem
enfrentá-los. E o Sr. Benson era um bom homem, sem dúvidas, porém ele mesmo não
acreditava naquilo. Então pare de resmungar, leitor, e leia essa história,
talvez você possa aprender um pouquinho. Ou talvez não, quem vai saber.
Um certo
dia, Sr. Benson não sabia muito bem qual, pois todos os dias eram os mesmos,
ele ouviu um latido. Woof! Bem na hora em que ele estava voltando para casa.
- Droga - resmungou ele - Um cachorro.
Ele
definitivamente não gostava de cachorros. Desde que seu pinscher preto Toby
havia morrido atropelado, quando tinha sete anos, odiava cachorros. Woof! O
latido se repetiu, e ele já estava ficando irritado. Apoiou-se em sua bengala e
andou atrás daquele bicho dos infernos. Ele provavelmente havia se enfiado por
algum buraco e conseguira invadir aquele terreno. Woof!
- Onde está você? - disse Sr. Benson
- Woof? - respondeu o cachorro.
O velhinho
deu um pulo e colocou a mão no coração. Uma bundinha de cachorro aparecia por
debaixo do imenso portão de ferro. Aquela praguinha havia encontrado um velho
buraco e provavelmente estava preso ali. Era tudo o que Sr. Benson precisava,
retirar um cachorro entalado num buraco. Ele iria perder o jornal daquela
noite. Ele agarrou o cachorro com cuidado e o puxou daquele lugar, caindo de
costas no chão.
“creck”
- Ai minhas costas - gritou o velhinho.
E ficou ali
no chão, com preguiça de se levantar e sentindo suas costas arderem. O
cachorrinho subiu em cima dele e se aconchegou no meio de seu uniforme de
guarda.
- Ei, saia daí, vá pra casa - disse o velho.
Mas o
cachorrinho não estava nem aí. Ele era preto e era da raça pinscher e... Espera
um pouco, ele era igualzinho a Toby. Mas igual, igualzinho mesmo, tinha até
aquelas duas pintinhas brancas no topo da cabeça, igual ao cachorro que Sr.
Benson tivera aos sete anos. Ele levantou-se e pegou o cachorrinho com as mãos,
recebendo pequenas lambidinhas do animal.
- Não pode ser, meu Deus - disse ele.
E
finalmente ele achou que estava gagá. Aquilo era impossível, mas aquele
cãozinho era o Toby, em todos os detalhes, não simplesmente um cachorro bem
parecido, mas realmente o Toby.
- Toby! - gritou Sr. Benson.
E
prontamente o cachorro correu a seu encontro. Ai meu Deus, ele estava senil
mesmo. Colocou o bicho no chão e agachou-se como pôde para alisar seus pelos.
Sentia muita falta daquele animal, mas nunca se deu conta daquilo, simplesmente
passou a odiar cachorros depois que Toby morreu. Mas se Toby morreu, o que era
aquilo, um espírito? Um fantasma de cachorro? Ele nunca tinha ouvido falar
daquilo.
Ele tentou
pegar novamente Toby, mas o cachorrinho correu por aquele buraco na parece e
entrou dentro do armazém, sumindo na escuridão do lugar. Sr. Benson chamou,
chamou e chamou, mas ele não voltou. O velhinho correu e foi buscar a chave,
enfiou-a na fechadura do portão, mas paralisou. Aquela seria a primeira vez que
entraria sozinho naquele lugar, o que estaria o esperando lá dentro? O que
significava a presença de Toby ali?
Ele fechou
os olhos e abriu aquele portão com dificuldade, afinal de contas tinha sessenta
e poucos e estava com as costas ardendo. Um ar quente passou pelo seu corpo e
ele ouviu todo tipo de som, sentiu todo tipo de cheiro e arrepiou-se com
sensações estranhas. Abriu os olhos enrugados e deparou-se com coisas
indescritíveis. Aquele armazém estava cheio até o teto!
Mas não era
possível, ele estava lá, todo o tempo, nunca vira nenhuma entrega em sete anos!
Mesmo assim, havia de tudo no armazém, sofás, mesas, brinquedos, Toby,
retratos, um carro antigo e...
- Ei! Aquele é meu Ford 76! - disse Sr. Benson, se aproximando
do carro - Meu Deus e é a mesma placa e tem o mesmo adesivo de uma águia e tem
também aquela marca. Oh meu Deus... Essa marca...
Ele pousou
sua mão sobre o vidro e, quando a retirou, estava do outro lado uma marca de
uma mãozinha de criança.
- Ele tinha comido iogurte nesse dia e sujou as mãos - disse
Sr. Benson - Colocou a mãozinha no vidro, querendo me chamar pra ficar junto
dele, mas acabou manchando.
O velhinho
abaixou a cabeça e uma lágrima caiu de seu rosto. Aquilo havia sido há quase
uma vida atrás. Ele caminhou lentamente para longe daquele carro. Não entendia
como tudo aquilo era possível, no chão estava Toby correndo e latindo. No meio
daquele amontoado de coisas estava também seu carro, sua bola de capotão (de
quando fazia escolinha de futebol), um retrato de seus pais na praia, e até
mesmo o guarda chuva onde ele e sua primeira namorada deram o primeiro beijo,
se protegendo da chuva.
- É a minha vida, eu... - assustou-se Sr. Benson - Eu estava
esse tempo todo sendo o guarda da minha própria vida!
Sr. Benson
caminhava por corredores e mais corredores de coisas amontoadas, formando um
imenso labirinto de sua própria vida. Todo tipo de objetos passava por seus
olhos e ele lembrava de passagens de sua vida, partes que nunca conseguira
esquecer. Seus olhos enchiam-se de lágrimas à cada nova lembrança, mas ele
sempre as enxugava o mais rápido possível, pois para ele homem, não podia
chorar.
Puxou com
força um par de tênis velhos, escondidos do lado de um peru de natal (quente e
ainda cheirando muito bem, por sinal). Era o mesmo par que ele usou quando
ganhou sua primeira corrida nas olimpíadas escolares. Não eram peças com muito
valor, nem eram de marca famosa, mas ele os amava naquela época e se achava
invencível usando eles.
- Hehe, minha mãe jogou eles fora quando ficaram com tanto
chulé, que ninguém em casa aguentava - disse Sr. Benson - E eu fiquei maluco
com ela, fiquei uma semana sem falar com ninguém. Nossa... Por que eu fiz
aquilo, que bobagem.
Enquanto
Toby mordiscava o peru de natal e algumas outras guloseimas espalhadas no chão,
Sr. Benson reparou no teto, e viu que lá em cima estavam pintados os mesmos
desenhos que ele fazia quando tinha quatro anos. Ele não se lembrava daquilo, é
claro, mas ele supôs que eram seus, pois eles retratavam seus pais e irmãos e
traziam uma assinatura escrita com um garrancho horrível: Ben.
- Por que eu nunca entrei aqui antes? - perguntava-se, mas
não conseguia pensar numa resposta plausível.
Como
algumas pessoas faziam, ele estava sendo guarda de sua própria vida, sem ao
menos olhar para poder perceber tudo de bom o que havia vivido. No caso do Sr.
Benson, ele literalmente foi guarda daquilo tudo, de fato. Algumas pessoas,
porém, fazem isso sem perceber, ao longo de sua vida. Algumas pessoas se
escondem de seus sentimentos e não param para descobrir quem são de verdade.
Algumas pessoas vivem, outras sobrevivem.
O velhinho
cansou das andanças e sentou-se no velho sofá de seu pai, que também estava
ali, no meio de outros móveis da sua família. Ele até mesmo sentiu o cheiro
daquele desinfetante fedido que sua mãe passava pelo chão da casa. Não era um
cheiro agradável, verdade seja dita, mas ele sentiu saudades de sua mãe, mesmo
sendo ela a mais linha dura da história. Sentia falta também do seu pai, que
era sempre comandado pela sua mãe.
Ele riu.
- Tantas lembranças e tanta coisa que a gente passa nessa
vida - disse ele - E terminamos sozinhos.
Mas talvez
a vida seja isso, vivemos um monte de coisas, experiências belas, assustadoras,
nos apaixonamos, encontramos a pessoa certa (ou não), sofremos, choramos, rimos
e no final terminamos sozinhos, para que possamos refletir sobre o que passou.
Boas ou ruins, nossas experiências vão nos seguir até o final da vida, onde
iremos sofrer ou aproveitar o que fizemos. Talvez não exista certo ou errado,
bom ou mal, decente ou indecente, perfeição, apenas pessoas que vivem suas
vidas, passam por dificuldades e se transformam todos os dias. Talvez não haja
um tribunal quando a gente morre, no final das contas, ninguém irá nos inquirir
sobre o que decidimos ou fizemos, apenas nós mesmos.
Ele
levantou-se cuidadosamente, andou por aquele pandemônio de coisas jogadas até
encontrar um canto vazio. Não havia nada ali, apenas um vazio rodeando uma
pequena porta de ferro. Era uma velha porta, pintada de uma tinta azul que já
estava quase desgrudando do metal. Havia também pontos de corrosão por todo o
canto.
O Sr.
Benson ficou ali parado, encarando aquilo. Ele sabia, bem no fundo de seu
coração, o que estava o esperando lá dentro, pois até aquele momento tinha
apenas visto as coisas boas de sua vida. Mas como todo mundo, a vida do Sr.
Benson tinha coisas ruins também. Algumas muito piores do que a maioria
suportaria.
- O que é esse lugar? - perguntou-se o velhinho - O que é
isso? Como minhas coisas foram parar aqui? Qual é o significado de tudo isso?
Mas a
resposta foi o silêncio. A pior resposta de todas. Ele ficou ali parado
encarando aquela porta corroída, com medo do que encontraria ali. Há muito
tempo havia enterrado tudo aquilo, mas agora, de repente, sua vida toda passava
diante de seus olhos, inclusive as partes que queria esquecer. Estava tudo ali,
atrás daquela porta.
- Não... Por que agora? Depois de tanto tempo... - disse ele
- Encostando seu rosto enrugado no metal e sentindo o frio.
Ele sabia
que a vida era feita de bons e maus momentos, mas o que se escondia ali era
péssimo. Por anos tirou seu sono e o deixou da maneira como estava agora,
sozinho e sem ninguém. Ele encostou a mão na maçaneta e abriu de uma vez,
fechando os olhos de medo. Sentiu uma brisa fria sair dali e de repente estava
na sala de sua casa. Sentiu uma forte pontada no coração e perdeu o ar,
sentou-se num sofá e ficou ali, chorando.
Atrás da
porta estava uma réplica perfeita da sala onde convivia com sua família. Não
seus pais, mas seu filhinho e sua esposa. Ele pôs a mão no peito e afastou-se o
máximo que pôde do telefone, pois ele sabia o que iria acontecer em seguida.
Sentou-se no chão, num canto escondido e afastado, mergulhado em lembranças.
- Não... Aquele telefone não... Por favor, eu quero ir
embora... - disse ele.
Mas o
telefone tocou. Sr. Benson ficou olhando para aquele aparelho, que era
exatamente igual ao do seu passado. O velhinho não se moveu e não foi atender o
telefone, na esperança de que aquilo pudesse parar de tocar. Na esperança de
que aquelas lembranças se apagassem para sempre. Mas o telefone continuava a
tocar.
- Por favor pare... Pare... - disse o Sr. Benson.
Ele
levantou-se e correu (o mais rápido que seus sessenta e poucos permitiam) e
atendeu o telefone, colocando-o no ouvido. Ele encheu-se de coragem para ouvir
o que falaria a voz do outro lado. Sabia de cor a frase que fora dita naquele
dia por um policial “Sr. Benson, aconteceu um acidente, sua mulher e seu
filho...”. Esperou ouvir aquelas palavras pela voz do policial, porém apenas o
silêncio estava ali.
- Diga! - gritou o Sr. Benson - Diga a frase! Não era o que
você queria? Eu estou aqui agora, pode dizer.
- James - disse uma voz de mulher do outro lado - James, meu
querido, você atendeu...
E novamente
ele sentiu um aperto em seu peito. Aquela era a voz de Julia, sua esposa.
- Não pode ser... Você... Você morreu - disse ele.
- Esperamos anos para que você entrasse nesse armazém -
disse ela - Ainda bem que você teve a coragem, meu querido. Eu te amo tanto.
- Não! Você não pode me amar - gritou o homem - Fui eu...
Vocês morreram... Foi minha culp... Foi tudo minha culpa... Você não deveria me
dizer isso...
- Oh meu amor, não foi sua culpa - disse ela - Por isso que
estamos te esperando. Por anos você esqueceu de você, viveu isolado, chorando
na cama, se sentindo culpado. Não aguentamos mais ver você passar por isso.
James, é hora de sair dessa tristeza. Não foi sua culpa, nunca foi sua culpa.
- Sim, foi - disse ele - Se eu não tivesse chegado bêbado
naquele dia, você jamais teria pegado o carro e ido embora. Você e o Daniel
morreram naquele dia e eu também.
- Não - disse Julia, no telefone.
De repente
sentiu uma mão no seu ombro e virou-se assustado. Ali estava Julia, com seus
cabelos ruivos jogados sobre os ombros, usando aquela camisa branca que ele
havia lhe dado de aniversário e exibindo um sorriso terno. O velhinho abraçou-a
com força, repousando sua cabeça em seus ombros, chorando. Ele não disse nada,
apenas chorou.
- Oh querido, você passou por tanta coisa - disse ela - Eu
te amo tanto e sinto tanto sua falta. Mas eu vim aqui pra te libertar dessa sua
culpa. Há anos você vive se culpando, chega.
- Meu Deus, é você, até seu perfume! - disse ele, em lágrimas
- Eu já havia até me esquecido de como era a sua pele, o cheiro dos seus
cabelos e esses seus olhos profundos. Onde está Daniel?
- Daniel está bem, assim como eu - disse ela - Ele seguiu
seu caminho e não pôde estar aqui. Eu fiquei te esperando, mas ele seguiu o
caminho, porque eu pedi isso pra ele. Mas ele está muito bem, não se preocupe.
- Não Julia, eu... - disse ele.
Ela
repousou um dedo em seus lábios, fazendo-o se calar. Passou as mãos por sua
face lentamente e abraçou-o.
- Você não mudou nada - riu ela - Ainda tem essas ruginhas
no canto da boca. Ainda é meu James e eu sou sua Julia. Escolhi te esperar, não
segui meu caminho, mas você mudou. É um homem triste, que viveu em depressão
por causa de um acontecimento irrelevante. Você bebeu sim, eu sei, e eu também
fiquei nervosa naquele dia. Mas aquilo tinha que acontecer, você tem que
entender, todo mundo um dia tem que ir.
- Eu perdi você - disse ele.
- Eu estou aqui, não estou? - disse ela - Você não me
perdeu. Você se perdeu e eu vim aqui para lhe trazer de volta.
- Eu estou velho, Julia, logo vou morrer - disse ele - Por
que agora?
- Era pra ter sido há pelo menos sete anos, quando você foi
contratado pra ser guarda desse lugar - disse ela - Mas você teve de ter seu
tempo para encarar tudo isso. As pessoas precisam se preparar para mudar, assim
podem se tornar cada vez mais felizes.
- O que significa isso? Esse armazém? O homem que me
contratou? Você? - disse ele.
- É difícil de explicar, mas você só precisa entender que eu
voltei pra te ajudar - disse ela - Na verdade, você deve encontrar sozinho as
respostas para essas perguntas.
- Eu sei a resposta - disse ele - Eu morri. Eu vi minha vida
passar diante de meus olhos e agora você... Eu morri.
Ela sorriu
e ficou olhando para ele, silenciosa. Passou a mão em seus cabelos e o beijou
na bochecha.
- Não foi sua culpa, James, não foi - disse ela - Está na
hora de você se libertar disso e viver! Por que viver é conviver com nossos
erros, lembrar do passado, mas não podemos nos prender a ele. Vá ser feliz, meu
bem, vá viajar, fazer tudo o que sempre sonhou. Você não está velho, sempre vai
ser meu James. Iremos nos encontrar de novo, mas agora tenho que ir. Eu te amo
tanto.
- Não... Não... Julia! - disse ele.
Mas ela
desapareceu no ar. E ele ficou ali, sozinho novamente, dentro de uma sala
vazia. Ele lentamente saiu daquele lugar e se viu naquele galpão. Todas as suas
coisas haviam desaparecido e restava apenas a poeira. O velhinho limpou suas
lágrimas e esboçou um sorriso tímido. Ele não entendia o que havia acontecido
ali, mas estava disposto a tomar uma atitude.
Saiu do
galpão, trancou as portas e demorou-se olhando para elas com ternura. Limpou a
poeira do seu uniforme e foi até a sua guarita. Sentou-se em sua mesa e puxou
um papel, escrevendo ali ma mensagem.
“Me demito”
E deixou o
papel em cima da mesa, junto com a chave do portão de ferro. Saiu daquele
terreno e dirigiu-se até o ponto de ônibus mais próximo. Pegou o transporte até
o centro, desceu na praça principal e caminhou com dificuldade até o cemitério.
Procurou nas quadras, entre túmulos, até achar uma lápide decorada com pisos
pretos. Lá estavam as fotos de Julia e Daniel, assim como suas datas de
nascimento e morte.
O Sr.
Benson retirou uma rosa de seu bolso rasgado e deixou-a em cima do túmulo.
- Obrigado - disse ele.
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