quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Crônica: O Velho e o Armazém


            
                O Sr. Benson passava dias e dias vigiando aquele galpão. Acordava cedo, tomava um chá gelado com biscoitos, só o bastante para enganar seu velho estômago, colocava seu uniforme de vigia e atravessava a rua, chegando naquele imenso galpão.
            Sim, ele morava do lado do trabalho e não, ele não gostava daquilo. Apesar de ter sessenta e poucos anos, gostaria de pegar o ônibus, andar pela cidade, ver pessoas, ouvir vozes e sentir cheiros, porém tudo o que fazia era atravessar uma rua esburacada. Ia de casa para o emprego, do emprego para a casa e não saia do lugar. Não que fizesse muita diferença, pois em casa assistia televisão e no trabalho, também.
            Na realidade ele não entendia muito bem o porquê de estar vigiando aquele imenso e vazio armazém. As paredes tinham os rebocos rachados, o piso do chão já havia se soltado há muito tempo e havia teias de aranha por toda parte. E não eram aranhas comuns, eram daquelas bem grandes, tão grandes que parecia ter alguém dando de comer a elas. Além disso, Sr. Benson era o único guarda por ali.
            Aquele armazém erguia-se por de trás das pequeninas casas da vizinhança, como se fosse um imenso monstro de cimento que a qualquer hora iria engolir todos. Mas não havia nada lá, nenhuma entrega, nenhum estoque, entregador, fiscal, pacote, nada. Apenas uma porta imensa de ferro, a qual Sr. Benson nunca abria. Há pelo menos sete anos ele apenas se sentava em sua pequena guarita, bebericava café o dia inteiro e ia para casa, sentar-se em seu sofá velhinho, mas confortável e depois dormir sozinho em sua cama.                  
            Qualquer coisa além disso era uma aventura para ele. Não que ele não gostasse das aventuras, pois adorava mesmo qualquer mudança na sua rotina, porém já estava velho e a osteoporose não o deixava viver como queria. Tinha uma mente jovem em um corpo velho, queria mais do que aquele emprego mixuruca, mas infelizmente era o que tinha. Ou felizmente, porque seu salário de guarda o ajudava a comprar suas coisinhas, o que sua ínfima aposentaria não permitia.
            Há alguns anos um homem misterioso batera na porta da sua casa, convidando-o para ser o guarda daquele armazém. De início o velho rabugento deu com a porta nas fuças do safado, mas o homem insistiu e insistiu e insistiu, até que o Sr. Benson não teve outra alternativa senão aceitar o emprego. O salário era bom, bom até demais, por isso o velho perguntou ao homem o que guardava aquele lugar (o que era um mistério para o povo daquela vizinhança). Desconfiado que só ele, Sr. Benson quis ver tudo, tintim por tintim.
            O homem misterioso riu e abriu a imensa porta de ferro, revelando um galpão sem nada dentro.

- Mas não há nada aí dentro - disse Sr. Benson, irritado com aquele disparate - Está vazio.

- Há uma diferença enorme entre não haver nenhum objeto e estar vazio - disse o homem.

            O velho desconfiou, mas aceitou o emprego, pois de qualquer forma, era um ótimo salário e ele não precisava fazer nada. E foi exatamente o que aconteceu, nada. Em todos os anos em que trabalhou ali, nunca viu nenhuma mudança. Apesar da desconfiança dos seus vizinhos, que diziam que aquele era um lugar assombrado, cheio de demônios, gnomos e outras coisas, ele nunca saiu do emprego. Nunca mais viu o homem misterioso, mas o dinheiro caía religiosamente todo dia primeiro em sua conta no banco, o que o deixava mais do que satisfeito.
            Um dia porém tudo mudou. Tudo. E essa é a história que iremos contar aqui. Não há nada de dragões, perigos imensos, casas voadoras e monstros, não, apenas a vida de um velho. Mas daí você deve estar se perguntando, leitor, por que diabos vou ler isso? Ora, não seja tolo, uma boa história não tem que ter dragões, pois não são os dragões que fazem as histórias, mas sim os heróis que decidem enfrentá-los. E o Sr. Benson era um bom homem, sem dúvidas, porém ele mesmo não acreditava naquilo. Então pare de resmungar, leitor, e leia essa história, talvez você possa aprender um pouquinho. Ou talvez não, quem vai saber.
            Um certo dia, Sr. Benson não sabia muito bem qual, pois todos os dias eram os mesmos, ele ouviu um latido. Woof! Bem na hora em que ele estava voltando para casa.

- Droga - resmungou ele - Um cachorro.

            Ele definitivamente não gostava de cachorros. Desde que seu pinscher preto Toby havia morrido atropelado, quando tinha sete anos, odiava cachorros. Woof! O latido se repetiu, e ele já estava ficando irritado. Apoiou-se em sua bengala e andou atrás daquele bicho dos infernos. Ele provavelmente havia se enfiado por algum buraco e conseguira invadir aquele terreno. Woof!

- Onde está você? - disse Sr. Benson

- Woof? - respondeu o cachorro.

            O velhinho deu um pulo e colocou a mão no coração. Uma bundinha de cachorro aparecia por debaixo do imenso portão de ferro. Aquela praguinha havia encontrado um velho buraco e provavelmente estava preso ali. Era tudo o que Sr. Benson precisava, retirar um cachorro entalado num buraco. Ele iria perder o jornal daquela noite. Ele agarrou o cachorro com cuidado e o puxou daquele lugar, caindo de costas no chão.

“creck”

- Ai minhas costas - gritou o velhinho.

            E ficou ali no chão, com preguiça de se levantar e sentindo suas costas arderem. O cachorrinho subiu em cima dele e se aconchegou no meio de seu uniforme de guarda.

- Ei, saia daí, vá pra casa - disse o velho.

            Mas o cachorrinho não estava nem aí. Ele era preto e era da raça pinscher e... Espera um pouco, ele era igualzinho a Toby. Mas igual, igualzinho mesmo, tinha até aquelas duas pintinhas brancas no topo da cabeça, igual ao cachorro que Sr. Benson tivera aos sete anos. Ele levantou-se e pegou o cachorrinho com as mãos, recebendo pequenas lambidinhas do animal.

- Não pode ser, meu Deus - disse ele.

            E finalmente ele achou que estava gagá. Aquilo era impossível, mas aquele cãozinho era o Toby, em todos os detalhes, não simplesmente um cachorro bem parecido, mas realmente o Toby.

- Toby! - gritou Sr. Benson.

            E prontamente o cachorro correu a seu encontro. Ai meu Deus, ele estava senil mesmo. Colocou o bicho no chão e agachou-se como pôde para alisar seus pelos. Sentia muita falta daquele animal, mas nunca se deu conta daquilo, simplesmente passou a odiar cachorros depois que Toby morreu. Mas se Toby morreu, o que era aquilo, um espírito? Um fantasma de cachorro? Ele nunca tinha ouvido falar daquilo.
            Ele tentou pegar novamente Toby, mas o cachorrinho correu por aquele buraco na parece e entrou dentro do armazém, sumindo na escuridão do lugar. Sr. Benson chamou, chamou e chamou, mas ele não voltou. O velhinho correu e foi buscar a chave, enfiou-a na fechadura do portão, mas paralisou. Aquela seria a primeira vez que entraria sozinho naquele lugar, o que estaria o esperando lá dentro? O que significava a presença de Toby ali?
            Ele fechou os olhos e abriu aquele portão com dificuldade, afinal de contas tinha sessenta e poucos e estava com as costas ardendo. Um ar quente passou pelo seu corpo e ele ouviu todo tipo de som, sentiu todo tipo de cheiro e arrepiou-se com sensações estranhas. Abriu os olhos enrugados e deparou-se com coisas indescritíveis. Aquele armazém estava cheio até o teto!
            Mas não era possível, ele estava lá, todo o tempo, nunca vira nenhuma entrega em sete anos! Mesmo assim, havia de tudo no armazém, sofás, mesas, brinquedos, Toby, retratos, um carro antigo e...

- Ei! Aquele é meu Ford 76! - disse Sr. Benson, se aproximando do carro - Meu Deus e é a mesma placa e tem o mesmo adesivo de uma águia e tem também aquela marca. Oh meu Deus... Essa marca...

            Ele pousou sua mão sobre o vidro e, quando a retirou, estava do outro lado uma marca de uma mãozinha de criança.

- Ele tinha comido iogurte nesse dia e sujou as mãos - disse Sr. Benson - Colocou a mãozinha no vidro, querendo me chamar pra ficar junto dele, mas acabou manchando.

            O velhinho abaixou a cabeça e uma lágrima caiu de seu rosto. Aquilo havia sido há quase uma vida atrás. Ele caminhou lentamente para longe daquele carro. Não entendia como tudo aquilo era possível, no chão estava Toby correndo e latindo. No meio daquele amontoado de coisas estava também seu carro, sua bola de capotão (de quando fazia escolinha de futebol), um retrato de seus pais na praia, e até mesmo o guarda chuva onde ele e sua primeira namorada deram o primeiro beijo, se protegendo da chuva.

- É a minha vida, eu... - assustou-se Sr. Benson - Eu estava esse tempo todo sendo o guarda da minha própria vida!

            Sr. Benson caminhava por corredores e mais corredores de coisas amontoadas, formando um imenso labirinto de sua própria vida. Todo tipo de objetos passava por seus olhos e ele lembrava de passagens de sua vida, partes que nunca conseguira esquecer. Seus olhos enchiam-se de lágrimas à cada nova lembrança, mas ele sempre as enxugava o mais rápido possível, pois para ele homem, não podia chorar.
            Puxou com força um par de tênis velhos, escondidos do lado de um peru de natal (quente e ainda cheirando muito bem, por sinal). Era o mesmo par que ele usou quando ganhou sua primeira corrida nas olimpíadas escolares. Não eram peças com muito valor, nem eram de marca famosa, mas ele os amava naquela época e se achava invencível usando eles.

- Hehe, minha mãe jogou eles fora quando ficaram com tanto chulé, que ninguém em casa aguentava - disse Sr. Benson - E eu fiquei maluco com ela, fiquei uma semana sem falar com ninguém. Nossa... Por que eu fiz aquilo, que bobagem.

            Enquanto Toby mordiscava o peru de natal e algumas outras guloseimas espalhadas no chão, Sr. Benson reparou no teto, e viu que lá em cima estavam pintados os mesmos desenhos que ele fazia quando tinha quatro anos. Ele não se lembrava daquilo, é claro, mas ele supôs que eram seus, pois eles retratavam seus pais e irmãos e traziam uma assinatura escrita com um garrancho horrível: Ben.

- Por que eu nunca entrei aqui antes? - perguntava-se, mas não conseguia pensar numa resposta plausível.

            Como algumas pessoas faziam, ele estava sendo guarda de sua própria vida, sem ao menos olhar para poder perceber tudo de bom o que havia vivido. No caso do Sr. Benson, ele literalmente foi guarda daquilo tudo, de fato. Algumas pessoas, porém, fazem isso sem perceber, ao longo de sua vida. Algumas pessoas se escondem de seus sentimentos e não param para descobrir quem são de verdade. Algumas pessoas vivem, outras sobrevivem.
            O velhinho cansou das andanças e sentou-se no velho sofá de seu pai, que também estava ali, no meio de outros móveis da sua família. Ele até mesmo sentiu o cheiro daquele desinfetante fedido que sua mãe passava pelo chão da casa. Não era um cheiro agradável, verdade seja dita, mas ele sentiu saudades de sua mãe, mesmo sendo ela a mais linha dura da história. Sentia falta também do seu pai, que era sempre comandado pela sua mãe.

            Ele riu.

- Tantas lembranças e tanta coisa que a gente passa nessa vida - disse ele - E terminamos sozinhos.

            Mas talvez a vida seja isso, vivemos um monte de coisas, experiências belas, assustadoras, nos apaixonamos, encontramos a pessoa certa (ou não), sofremos, choramos, rimos e no final terminamos sozinhos, para que possamos refletir sobre o que passou. Boas ou ruins, nossas experiências vão nos seguir até o final da vida, onde iremos sofrer ou aproveitar o que fizemos. Talvez não exista certo ou errado, bom ou mal, decente ou indecente, perfeição, apenas pessoas que vivem suas vidas, passam por dificuldades e se transformam todos os dias. Talvez não haja um tribunal quando a gente morre, no final das contas, ninguém irá nos inquirir sobre o que decidimos ou fizemos, apenas nós mesmos.
            Ele levantou-se cuidadosamente, andou por aquele pandemônio de coisas jogadas até encontrar um canto vazio. Não havia nada ali, apenas um vazio rodeando uma pequena porta de ferro. Era uma velha porta, pintada de uma tinta azul que já estava quase desgrudando do metal. Havia também pontos de corrosão por todo o canto.
            O Sr. Benson ficou ali parado, encarando aquilo. Ele sabia, bem no fundo de seu coração, o que estava o esperando lá dentro, pois até aquele momento tinha apenas visto as coisas boas de sua vida. Mas como todo mundo, a vida do Sr. Benson tinha coisas ruins também. Algumas muito piores do que a maioria suportaria.

- O que é esse lugar? - perguntou-se o velhinho - O que é isso? Como minhas coisas foram parar aqui? Qual é o significado de tudo isso?

            Mas a resposta foi o silêncio. A pior resposta de todas. Ele ficou ali parado encarando aquela porta corroída, com medo do que encontraria ali. Há muito tempo havia enterrado tudo aquilo, mas agora, de repente, sua vida toda passava diante de seus olhos, inclusive as partes que queria esquecer. Estava tudo ali, atrás daquela porta.

- Não... Por que agora? Depois de tanto tempo... - disse ele - Encostando seu rosto enrugado no metal e sentindo o frio.

            Ele sabia que a vida era feita de bons e maus momentos, mas o que se escondia ali era péssimo. Por anos tirou seu sono e o deixou da maneira como estava agora, sozinho e sem ninguém. Ele encostou a mão na maçaneta e abriu de uma vez, fechando os olhos de medo. Sentiu uma brisa fria sair dali e de repente estava na sala de sua casa. Sentiu uma forte pontada no coração e perdeu o ar, sentou-se num sofá e ficou ali, chorando.
            Atrás da porta estava uma réplica perfeita da sala onde convivia com sua família. Não seus pais, mas seu filhinho e sua esposa. Ele pôs a mão no peito e afastou-se o máximo que pôde do telefone, pois ele sabia o que iria acontecer em seguida. Sentou-se no chão, num canto escondido e afastado, mergulhado em lembranças.

- Não... Aquele telefone não... Por favor, eu quero ir embora... - disse ele.

            Mas o telefone tocou. Sr. Benson ficou olhando para aquele aparelho, que era exatamente igual ao do seu passado. O velhinho não se moveu e não foi atender o telefone, na esperança de que aquilo pudesse parar de tocar. Na esperança de que aquelas lembranças se apagassem para sempre. Mas o telefone continuava a tocar.

- Por favor pare... Pare... - disse o Sr. Benson.

            Ele levantou-se e correu (o mais rápido que seus sessenta e poucos permitiam) e atendeu o telefone, colocando-o no ouvido. Ele encheu-se de coragem para ouvir o que falaria a voz do outro lado. Sabia de cor a frase que fora dita naquele dia por um policial “Sr. Benson, aconteceu um acidente, sua mulher e seu filho...”. Esperou ouvir aquelas palavras pela voz do policial, porém apenas o silêncio estava ali.

- Diga! - gritou o Sr. Benson - Diga a frase! Não era o que você queria? Eu estou aqui agora, pode dizer.

- James - disse uma voz de mulher do outro lado - James, meu querido, você atendeu...

            E novamente ele sentiu um aperto em seu peito. Aquela era a voz de Julia, sua esposa.

- Não pode ser... Você... Você morreu - disse ele.

- Esperamos anos para que você entrasse nesse armazém - disse ela - Ainda bem que você teve a coragem, meu querido. Eu te amo tanto.

- Não! Você não pode me amar - gritou o homem - Fui eu... Vocês morreram... Foi minha culp... Foi tudo minha culpa... Você não deveria me dizer isso...

- Oh meu amor, não foi sua culpa - disse ela - Por isso que estamos te esperando. Por anos você esqueceu de você, viveu isolado, chorando na cama, se sentindo culpado. Não aguentamos mais ver você passar por isso. James, é hora de sair dessa tristeza. Não foi sua culpa, nunca foi sua culpa.

- Sim, foi - disse ele - Se eu não tivesse chegado bêbado naquele dia, você jamais teria pegado o carro e ido embora. Você e o Daniel morreram naquele dia e eu também.

- Não - disse Julia, no telefone.

            De repente sentiu uma mão no seu ombro e virou-se assustado. Ali estava Julia, com seus cabelos ruivos jogados sobre os ombros, usando aquela camisa branca que ele havia lhe dado de aniversário e exibindo um sorriso terno. O velhinho abraçou-a com força, repousando sua cabeça em seus ombros, chorando. Ele não disse nada, apenas chorou.

- Oh querido, você passou por tanta coisa - disse ela - Eu te amo tanto e sinto tanto sua falta. Mas eu vim aqui pra te libertar dessa sua culpa. Há anos você vive se culpando, chega.

- Meu Deus, é você, até seu perfume! - disse ele, em lágrimas - Eu já havia até me esquecido de como era a sua pele, o cheiro dos seus cabelos e esses seus olhos profundos. Onde está Daniel?

- Daniel está bem, assim como eu - disse ela - Ele seguiu seu caminho e não pôde estar aqui. Eu fiquei te esperando, mas ele seguiu o caminho, porque eu pedi isso pra ele. Mas ele está muito bem, não se preocupe.

- Não Julia, eu... - disse ele.

            Ela repousou um dedo em seus lábios, fazendo-o se calar. Passou as mãos por sua face lentamente e abraçou-o.

- Você não mudou nada - riu ela - Ainda tem essas ruginhas no canto da boca. Ainda é meu James e eu sou sua Julia. Escolhi te esperar, não segui meu caminho, mas você mudou. É um homem triste, que viveu em depressão por causa de um acontecimento irrelevante. Você bebeu sim, eu sei, e eu também fiquei nervosa naquele dia. Mas aquilo tinha que acontecer, você tem que entender, todo mundo um dia tem que ir.

- Eu perdi você - disse ele.

- Eu estou aqui, não estou? - disse ela - Você não me perdeu. Você se perdeu e eu vim aqui para lhe trazer de volta.

- Eu estou velho, Julia, logo vou morrer - disse ele - Por que agora?

- Era pra ter sido há pelo menos sete anos, quando você foi contratado pra ser guarda desse lugar - disse ela - Mas você teve de ter seu tempo para encarar tudo isso. As pessoas precisam se preparar para mudar, assim podem se tornar cada vez mais felizes.

- O que significa isso? Esse armazém? O homem que me contratou? Você? - disse ele.

- É difícil de explicar, mas você só precisa entender que eu voltei pra te ajudar - disse ela - Na verdade, você deve encontrar sozinho as respostas para essas perguntas.

- Eu sei a resposta - disse ele - Eu morri. Eu vi minha vida passar diante de meus olhos e agora você... Eu morri.

            Ela sorriu e ficou olhando para ele, silenciosa. Passou a mão em seus cabelos e o beijou na bochecha.

- Não foi sua culpa, James, não foi - disse ela - Está na hora de você se libertar disso e viver! Por que viver é conviver com nossos erros, lembrar do passado, mas não podemos nos prender a ele. Vá ser feliz, meu bem, vá viajar, fazer tudo o que sempre sonhou. Você não está velho, sempre vai ser meu James. Iremos nos encontrar de novo, mas agora tenho que ir. Eu te amo tanto.

- Não... Não... Julia! - disse ele.

            Mas ela desapareceu no ar. E ele ficou ali, sozinho novamente, dentro de uma sala vazia. Ele lentamente saiu daquele lugar e se viu naquele galpão. Todas as suas coisas haviam desaparecido e restava apenas a poeira. O velhinho limpou suas lágrimas e esboçou um sorriso tímido. Ele não entendia o que havia acontecido ali, mas estava disposto a tomar uma atitude.
            Saiu do galpão, trancou as portas e demorou-se olhando para elas com ternura. Limpou a poeira do seu uniforme e foi até a sua guarita. Sentou-se em sua mesa e puxou um papel, escrevendo ali ma mensagem.

“Me demito”

            E deixou o papel em cima da mesa, junto com a chave do portão de ferro. Saiu daquele terreno e dirigiu-se até o ponto de ônibus mais próximo. Pegou o transporte até o centro, desceu na praça principal e caminhou com dificuldade até o cemitério. Procurou nas quadras, entre túmulos, até achar uma lápide decorada com pisos pretos. Lá estavam as fotos de Julia e Daniel, assim como suas datas de nascimento e morte.
            O Sr. Benson retirou uma rosa de seu bolso rasgado e deixou-a em cima do túmulo.

- Obrigado - disse ele.


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